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Dívida de propina manteve contrato de fundação dos remédios pendente, diz delator

Atual coordenador no Ministério da Saúde recebia R$ 1,8 milhão de construtoras em obra da Furp quando pagamento foi interrompido, segundo depoimento ao Ministério Público de São Paulo

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Por Túlio Kruse
Atualização:

Reprodução 

Por causa de uma dívida de propina, a Fundação para o Remédio Popular (Furp) nunca encerrou o contrato da construção de uma fábrica pública de remédios em Américo Brasiliense, no interior paulista. É o que diz um dos executivos da Camargo Corrêa, responsável pela obra, em delação premiada ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

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Na prática, é como se a fundação ainda não reconhecesse a entrega da unidade, que ocorreu há dez anos. A Secretaria Estadual de Saúde, responsável pela Furp, diz que uma investigação interna está em andamento para averiguar as razões para o contrato não ter sido encerrado.

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"Em razão do 'saldo de dívidas' em propina, o colaborador afirma que ainda não conseguiu firmar com a Furp o termo de encerramento do contrato", diz o depoimento assinado pelo ex-executivo Martin Wende, em 2017. Ele diz que enviou duas cartas à diretoria técnica da fundação, e que em todas as ocasiões recebeu telefonemas do então diretor Adivar Aparecido Cristina, que marcava "encontro pessoal com o colaborador para cobrar o pagamento da propina, como condição para atuar junto à atual diretoria da Furp para a formalização do termo de encerramento da obra".

Reprodução do depoimento de Martin Wende 

Segundo o delator, o consórcio responsável pela obra estava pagando um total de R$ 2,2 milhões em propina ao então superintendente da Furp Flávio Vormittag (hoje coordenador-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde) e ao engenheiro Ricardo Luiz Mahfuz, ex-funcionário da Furp. Desse total, Vormittag ficaria com R$ 1,8 milhão, e Mahfuz com R$ 400 mil, e caberia a Adivar a intermediação para o recebimento do dinheiro. Vormittag, Mahfuz e Adivar negam as acusações.

Os pagamentos teriam sido interrompidos após uma das empresas do consórcio, a Schahin, ser implicada na Operação Lava Jato em 2015. Além das duas construtoras, também faziam parte do grupo a OAS e a Planova - o pagamento da propina era proporcional à participação no consórcio, segundo Wende.

Dois executivos da Camargo Corrêa dizem que a Schahin assumiu os pagamentos da construtora no esquema, em troca do abatimento de uma dívida que havia entre as duas empresas na construção de hospitais no Pará. A intenção do consórcio era que, com a propina, a Furp desistisse de recorrer de uma decisão judicial que obrigava o governo a pagar R$ 18 milhões às construtoras pela paralisação da obra e o reequilíbrio financeiro do contrato. A fundação não se manifestou no processo, e o governo pagou o valor. Segundo o delator, o próprio funcionário da Furp o procurou, em nome de Vormittag, e pediu o dinheiro para que a fundação recorresse.

Reprodução do depoimento de Martin Wende 

Essa já era a segunda vez que o consórcio pagava propinas na construção da fábrica de remédios, diz Wende. Em 2008, após a aprovação de um termo aditivo, as empresas teriam pago R$ 1 milhão a João Batista , assessor do então secretário de Saúde Luiz Roberto Barradas Barata - morto em 2010. A reportagem não localizou João Batista para comentar a delação.

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O MP ainda não ofereceu denúncia no caso. A Furp é alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de São Palo (Alesp) que investiga a construção da fábrica em Américo Brasiliense e também o contrato de concessão da unidade que chegou a triplicar o valor de remédios para os cofres estaduais.

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O ex-superintendente da Furp, e atual coordenador-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Flávio Vormittag, disse que "o acordo celebrado pela FURP com o consórcio foi vantajoso para a empresa e minha participação na sua negociação seguiu absoluta normalidade". "Reitero que o acordo judicial fechado com o consórcio que construiu a fábrica de remédios de Américo Brasiliense, interior de São Paulo, foi objeto de inúmeras reuniões do Conselho Deliberativo da FURP, a quem cabe quaisquer decisões desse tipo. O pleito de reequilíbrio do referido Consórcio foi aprovado pela gerenciadora da obra e pelas áreas de engenharia, jurídica e financeira da FURP e da própria Secretaria de Estado da Saúde. O acordo firmado permitiu que a dívida de cerca R$ 25 milhões para pagamento à vista fosse reduzida para cerca de R$ 18 milhões para pagamento em quatro anos (em 48 parcelas)."

Em depoimento à CPI, o ex-funcionário Ricardo Luiz Mahfuz disse que durante a construção e execução da obra não recebeu nenhuma verba ilícita ou qualquer tipo de benefício. "Nunca me ofereceram nenhum tipo de propina, sempre tive uma relação normal com o consórcio responsável pela obra e nunca houve nenhuma situação de me oferecerem coisa alguma."

O ex-diretor da Furp Adivar Cristina disse, também à CPI, que "em nenhum momento fui chamado para nenhum tipo de esquema de corrupção dentro da Furp". "O que eu sei é que esses processos correm em segredo de justiça. Não sabia que meu nome havia sido citado, isso me causou um pouco de estranheza. Agora vou averiguar o que estão dizendo a meu respeito até porque isso é uma inverdade."

A Secretaria Estadual de Saúde a atual gestão da Furp "preza pela transparência e informa que já está em andamento investigação sobre a não assinatura de termo de encerramento do contrato de construção da fábrica de Américo Brasiliense, uma vez que a obra foi concluída em 2009. Caso seja constatada qualquer tipo de irregularidade, a fundação tomará as providências cabíveis."

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