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Discussão sobre vínculo de emprego entre entregadores e apps

Na semana passada, a Justiça do Trabalho espanhola proferiu decisão condenando a Roofoods, empresa de origem inglesa responsável pela plataforma (ou app) de entregas Deliveroo, a reconhecer como empregados os profissionais que se conectam a esse app para executar os serviços de entregas de restaurantes aos consumidores. É a mais recente das notícias sobre decisões judiciais envolvendo as plataformas pelo mundo.

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Por Boriska Rocha
Atualização:

Prontamente houve repercussão em diversos países, inclusive no Brasil, por se tratar de ação que teve participação da fiscalização trabalhista e também de entidades sindicais daquele país. Além disso, é uma decisão com extensa fundamentação e com ampla abrangência, já que é aplicável a cerca de 500 entregadores que utilizavam o app Deliveroo. Por aqui, essa repercussão é mais um capítulo do debate atual para decidir a seguinte questão: afinal, qual é a relação que une motoristas, entregadores e outros profissionais às novas plataformas, tais como Uber, Rappi, Loggi e iFood?

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A sentença proferida na Espanha utiliza diversos conceitos que são familiares à nossa legislação trabalhista, e cita, como exemplo da existência de relação de emprego, a necessidade do entregador permanecer em locais e horários específicos, bem como do pagamento de combustível aos entregadores em algumas situações. Referidos exemplos, ainda de acordo com a decisão, não demonstram a autonomia necessária a afastar uma relação de emprego.

Verificamos da fundamentação da decisão que os requisitos da relação de emprego no Brasil, que são onerosidade, pessoalidade, habitualidade e subordinação, são semelhantes aos da legislação espanhola.

Entretanto, ao contrário do que se pode pensar em um primeiro momento, a sentença proferida na Espanha não é um passo em direção ao reconhecimento do vínculo de emprego nesse tipo de relação, a se utilizar como parâmetro das decisões que serão proferidas por aqui.

Ocorre que, no geral, esses requisitos não estão presentes nas relações entre entregadores e apps. Os entregadores (ou motoristas) são livres para prestar serviços se e quando quiserem. Podem ter um emprego ou mesmo se conectar aos apps concorrentes, alternando sua disponibilidade entre eles sempre que seja conveniente.

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Não negamos a eventual existência de desequilíbrio contratual entre os entregadores e as plataformas, e que alguma proteção, ou mesmo regulamentação, possa ou deva existir.

No entanto, não é algo que possa ser corrigido com a aplicação da legislação trabalhista atual, que claramente não trata essa modalidade de prestação de serviços como relação de emprego.

Empresas, governo e autoridades da área trabalhista poderiam trabalhar conjuntamente para propor algumas regras como, por exemplo, remuneração mínima, seguro de acidentes ou mesmo regras de mobilidade urbana, dado o aumento expressivo de motocicletas e bicicletas nas ruas por conta do surgimento dessas plataformas. Esta nos parece uma abordagem mais produtiva do que imputar às empresas um vínculo empregatício muitas vezes inexistente. O exclusivo viés punitivo atual impede e desestimula que as empresas busquem soluções colaborativas com quem usa as plataformas e com as cidades onde os serviços são prestados. Afinal, qualquer tentativa de impor condições e/ou regras para a atividade além do minimamente necessário pode vir a ser utilizada contra as empresas, como suposta evidência de vínculo empregatício.

Em muitos casos as plataformas são atividades novas, que permitem auferição ou aumento de renda a pessoas que, de outra forma, estariam excluídas do mercado de trabalho. Os entregadores também não são trabalhadores informais, pois a maioria das plataformas trabalha com Microempreendedores Individuais ("MEI"), que gozam de proteção da seguridade social. Nesse contexto, também entendemos ser simplista o argumento de precarização do trabalho para justificar o reconhecimento de vínculo empregatício.

A sentença proferida no caso espanhol não deveria se aplicar à situação das plataformas no Brasil, devido às peculiaridades do caso concreto. Foi analisada a situação de apenas uma empresa, em um país, e em um período limitado, entre outubro de 2015 a junho de 2017. Não é indicativo da maneira de trabalho das outras plataformas, ou mesmo que o próprio app Deliveroo ainda trabalhe nos termos descritos na referida decisão, da qual ainda cabe recurso.

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E, em nosso entendimento, também não deveria servir de exemplo a ser seguido por aqui sem uma análise mais profunda, pois apenas destaca o caráter punitivo da fiscalização trabalhista. Partilhamos da opinião pela qual a tendência que deveria prevalecer, para garantir o equilíbrio entre as partes nas atividades da chamada nova economia, é o diálogo entre os interessados, construindo alternativas que sejam benéficas às plataformas, aos prestadores de serviços e, consequentemente, à sociedade.

*Boriska Rocha, advogada especialista em trabalhista e sócia do SV Law

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