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Direito precisa conversar com as outras ciências

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO Foto: Estadão

Visão anacrônica e superada de alguns juristas, é o isolacionismo no universo do direito e o desconhecimento do que se passa do outro lado do muro. Pobre jurista o que só pensa em termos de ciência jurídica. O direito é ferramenta para reduzir as dificuldades que oprimem o vivente neste rápido trajeto pela existência mortal e precisa dialogar com outras esferas do conhecimento.

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Uma sociedade complexa e sujeita a uma profunda mutação estrutural como a do século 21 precisa fazer com que inexistam compartimentos estanques. Assim na vida cidadã, com a partilha de experiências e respeito à diversidade, assim no convívio institucional entre os diversos setores de atividade, cada qual alicerçada sobre um pilar científico.

Aprimorar o equipamento estatal encarregado de solucionar controvérsias não depende só do terreno jurídico. O "custo Brasil" é um elemento primordial de análise, vetor de atração ou repulsa de investimentos externos, dos quais o País necessita para sobreviver.

Por isso é que o direito precisa dialogar com a matemática, com a estatística, com a economia, com terrenos quase sempre negligenciados na labiríntica discussão legislativa, doutrinária e jurisprudencial do sistema.

O Núcleo de Análise e Modelagem de Dados da FGV, por sua Escola de Matemática Aplicada, tem experiência no tratamento de dados jurídicos, à luz dessas outras ciências. Suas técnicas de análise incluem as análises estatísticas, o processamento de linguagem natural, a visualização de dados e o georreferenciamento. As primeiras contemplam o tempo de andamento dos processos, a evolução da quantidade de processos por região, abrange estudos de multilitigância, identificando os maiores litigantes da Justiça comum.

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Cabe também nas análises estatísticas, a identificação de indícios de conduta antiética, assim como a concentração de processos com patrocínio de um só advogado. O processamento de linguagem natural detecta a criação de taxonomias jurídicas, a visualização de dados identifica as leis mais citadas e a sazonalidade de alguns tipos de processo. Por fim, o georreferenciamento propicia mapear os tipos de conflito por região, assim como elaborar mapas com o volume de processos judiciais e planejar melhor atendimento a ser dispensado à população que se socorre da estrutura judiciária.

Estudar outras ciências abre enormes possibilidades para os estudos do sistema Justiça. A confecção de um detalhado arquivo com o perfil dos maiores litigantes, a estimação de evolução de demandas, o estudo de evolução dos objetos das petições, a evolução estilística de petições primárias, os subsídios ao planejamento de novas comarcas ou unidades judiciárias e o estudo de andamento dos processos.

Outra valiosa aliada de uma Justiça que quer acompanhar a evolução da sociedade é a jurimetria. A análise quantitativa de dados judiciais, com o auxílio da inteligência artificial movida por algoritmos, permite prever o resultado de ações, pois em alguma medida é previsível a resposta que o Estado-juiz dará a algumas demandas.

O avanço das modernas tecnologias, principalmente as da informação e da comunicação, assim como o seu uso híbrido e a contínua e crescente descoberta de novas funcionalidades, oferece um horizonte bastante ampliado para a Justiça deste século.

Por isso é que o novo estudante de direito não pode ser aquele ser exclusivamente imerso na realidade jurídica, mas a cada dia ser mais polivalente e aberto a novos conhecimentos. Sairá à frente dos demais aquele que conhecer informática, a telemática, a eletrônica, a programação, se interessar por cibernética, por uma rede integrada de saberes, dos quais o jurídico é uma parcela apenas, e talvez não a mais importante.

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Se não houver esse profícuo diálogo, tenderá a crescer a repulsa ao hermetismo entrópico de um clube de iniciados, que podem parecer aos demais pretensiosos e arrogantes. Uma sociedade movida ao ritmo alucinante imposto pela Quarta Revolução Industrial não admite mais a enervante lentidão da Justiça, nem a demora entre os diversos trâmites, os pedidos de vista, as paralisações, a imprevisibilidade e certa álea que parece converter a Justiça em autêntica loteria.

O bom é que existem jovens talentosos, já nativos digitais, com expertise no mundo virtual e que devem fazer a diferença, pois percebem que, sem isso, uma Justiça alheia ao vendaval planetário em todos os territórios do conhecimento humano, pode se tornar descartável e ser substituída por métodos mais eficientes de resolver as questões que levam os homens a uma angustiante demanda.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2019-2020

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