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Direito e sexo: a divulgação não consentida de nude na internet

Por Thaís Pinhata e Raquel Rosa
Atualização:
Thaís Pinhata e Raquel Rosa. Foto: Divulgação

A expansão dos meios digitais de comunicação nos últimos anos, somada à simplificação das tecnologias de captura e transmissão de imagem, trouxeram novos desafios para o campo jurídico. Dentre muitas, uma questão chama especial atenção: a circulação de imagens de cunho sexual, os chamados nudes, estrangeirismo advindo da língua inglesa, para o qual a tradução seria "nus".

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De certo que enviar fotos próprias para alguém, ainda que contendo nudez, via de regra, não é crime. Contudo, a depender de fatores como a idade e a ausência de consentimento, a situação se torna mais complexa.

Dentre as tantas formas em que o sexo esbarra em limites jurídicos, trataremos neste texto, especificamente, da disseminação não consentida de imagens íntimas, muitas vezes chamada equivocadamente de pornografia de vingança.

A disseminação não consentida de imagens íntimas, que consiste em repassá-las sem a autorização de quem nelas figura, é uma forma crescente de violência de gênero, pois tem as meninas e mulheres como suas principais vítimas.

Tal exposição, que varia entre cenas de nudez e de sexo, comumente, funciona como uma forma de penalização às mulheres, sejam àquelas que optam por exercer livremente sua sexualidade, sejam àquelas que são forçadas a fazê-lo.

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Tamanha é a relevância do tema que, em 2018, foram aprovadas duas leis no Congresso Nacional, criminalizando pormenorizadamente determinadas condutas.

Em setembro de 2018, a Lei nº 13.718, além de ter tipificado o crime de importunação sexual (art. 215-A do Código Penal), também tornou crime, com pena de reclusão de 1 a 5 anos, a conduta de divulgar, por qualquer meio, cena de estupro ou estupro de vulnerável, e também a conduta de divulgar registro de sexo, de nudez ou de pornografia sem o consentimento dos envolvidos (art. 218-C do Código Penal).

Nas condutas do art. 218-C, as penas ainda podem ser aumentadas até dois terços se forem praticadas por pessoa que mantenha ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou caso a divulgação das imagens tenha a finalidade de humilhar ou de se vingar da vítima.

Há ainda a ressalva de que, tratando-se de vítimas menores de 18 anos, a depender das circunstâncias, o comportamento do agente pode subsumir-se aos arts. 241 ou 241-A, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê penas mais altas.

Importa destacar que por internet, aqui, deve-se entender quaisquer meios que incluam comunicação digital e que permitam a transmissão de arquivos e fotos ou vídeos, tais como e-mail, WhatsApp, Viber, Facebook Messenger, blogs, sites, entre tantos outros.

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No mês de dezembro daquele mesmo ano de 2018, entrou em vigor a Lei 13.772, que ficou conhecida como Lei Rose Leonel. Esta deu nome à lei por ser uma jornalista que teve sua vida pessoal e profissional devastada, com perda de emprego e da guarda do seu filho, após um ex namorado ter divulgado suas fotos íntimas após o fim do relacionamento.

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A Lei Rose Leonel criminalizou o registro e a disseminação de imagens íntimas sem consentimento e também alterou a Lei Maria da Penha, para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar, o que significa, na prática, um maior rigor no tratamento penal da conduta.

Porém, como em todo caso, a sanção penal não resolve o problema. Para além de pensar na disseminação não consentida de imagens íntimas como crime, é necessário pensá-la como mais um mecanismo de controle dos corpos dos mulheres em tempos farmacopornográficos, no quais são pilares a transformação do pornô na nova cultura de massas, o trabalho sexual como modelo de todo trabalho na sociedade pós-fordista, e o consumo de testosterona. Não à toa, essas e tantas outras práticas de violação do sigilo sexual estão relacionadas a vinganças e a doutrinamentos.

Impossível é dimensionar a extensão dos resultados dos danos materiais, psicossomáticos e existenciais gerados da difusão não consentida de imagens íntimas; certo é o seu potencial de violação da dignidade sexual, da privacidade, da segurança, da saúde e da intimidade.

Hoje, a dignidade sexual, encadeamento dedutivo lógico da dignidade humana, não se restringe ao que é produzido na formação de personalidade real, mas alcança também o que é construído no meio virtual.

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Por isso mesmo, pensar e proteger as ações praticadas nesse espaço é essencial. Para além da garantia ao sigilo de dados, há a constante necessidade do controle de conteúdos discriminatórios, nesse caso, de cunho machista, na Internet, para uma real proteção da pessoa.

*Thaís Pinhata. Advogada Criminalista. Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo.

*Raquel Rosa, advogada criminalista, mestre em Direito pelo UFRJ. Coordenadora do Projeto de Extensão Mulheres Encarceradas da FND/UFRJ.

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