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Direito ao recomeço

Por Cláudio de Castro Panoeiro
Atualização:
Cláudio de Castro Panoeiro. FOTO: DIVULGAÇÃO  

A Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública participou, nesta sexta-feira, 28 de agosto, da 148ª reunião ordinária do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Instituído por meio da Lei n.º 9.474, de 22 de julho de 1997, o Comitê tem a competência para deliberar sobre os pedidos de reconhecimento da condição de refugiado no Brasil.

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O refúgio é, sem dúvida, um dos temas de maior relevância na comunidade internacional, graças às suas implicações políticas, econômicas e sociais para milhares de indivíduos em todo o planeta. Antes do século XX, o direito internacional não dispunha de regras voltadas para a proteção dos refugiados, que dependiam unicamente da generosidade das leis internas de cada país que regulamentavam o instituto do asilo político.

Com o surgimento da Liga das Nações, em 1919, a comunidade internacional deu início aos debates acerca da necessidade de proteção dos refugiados, o que resultou diretamente do enorme fluxo migratório provocado pela revolução russa de 1917. Por conseguinte, em 1921, o Conselho da Sociedade das Nações autorizou a criação de um alto comissariado para refugiados. Inicialmente, o órgão deveria ocupar-se unicamente dos refugiados de nacionalidade russa, em virtude da calamidade humanitária provocada pela revolução bolchevique.

Com o passar dos anos, este alto comissariado teve que ampliar o seu objeto e tratou de abarcar indivíduos de outras nacionalidades e etnias que também careciam da proteção do refúgio, exatamente porque já não dispunham do amparo outorgado pelas leis do seu próprio país de origem.

Com efeito, o vínculo que se estabelece entre o Estado e os seus nacionais impõe ao primeiro o dever de proteger os seus cidadãos de ameaças externas, assim como a responsabilidade por garantir o legítimo exercício dos direitos fundamentais, o que resulta do pacto constitucional firmado entre o Estado e a sociedade em um dado momento.

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Quando o vínculo entre o nacional e o Estado se rompe e o cidadão deixa o país para viver em outras terras, as instituições do Estado a que pertence nem sempre logram protegê-lo em plenitude. O fenômeno é mais frequente do que se pode imaginar.

Segundo o Departamento de Assuntos Sociais e Econômicos das Nações Unidas (DESA), cerca de 3% da população do planeta vive em um país diferente da sua nacionalidade de origem. Isto significa que mais ou menos 225 milhões de seres humanos residem em uma pátria distinta daquela onde moraram quando do seu nascimento.

Grande parte desses indivíduos deixam a terra natal por razões alheias a sua vontade. Os deslocamentos mais frequentes resultam de fundado temor de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social, opiniões políticas ou em virtude de grave e generalizada violação de direitos humanos.

Atualmente, uma em cada 110 pessoas no mundo, segundo a ONU, encontra-se em situação de refúgio. O número cresce assustadoramente a cada ano, tanto que os estudiosos registram que o século XX pode ser considerado, sem dúvida, o século dos refugiados.

Este movimento migratório forçado não passou despercebido pelas autoridades internacionais. Após o fim da Liga das Nações e a criação da ONU, foram aprovadas várias normas internacionais destinadas à proteção desses indivíduos, com destaque para a Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951.

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Pese a sua relevância, a Convenção se destinou unicamente aos refugiados Europeus vitimados pela Segunda Guerra Mundial, sendo, por conseguinte, uma norma de caráter restritivo. Nada obstante às suas limitações, a Convenção teve a virtude de atentar para o fato de que, em razão da guerra, milhares de indivíduos foram obrigados a deixar o seu Estado de origem em busca de abrigo em outros países, onde nem sempre tinham os seus direitos reconhecidos.

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As iniciativas internacionais terminaram influenciando o legislador brasileiro do final dos anos noventa, que aprovou a Lei n.º 9.474, de 22 de julho de 1997, a qual define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências.

Seguindo a tendência dos principais países do mundo, nos últimos anos, o Brasil se converteu no destino de inúmeros refugiados. Atualmente, mais de 45 mil pessoas já tiveram o pedido de refúgio deferido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, sendo os maiores favorecidos os indivíduos provenientes da Venezuela.

Uma vez reconhecidos como refugiados, os estrangeiros passam a ter direito à cédula de identidade comprobatória de sua condição jurídica, à carteira de trabalho e ao documento de viagem, de acordo com o que estabelece a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951.

Entretanto, para que tudo isto aconteça, é necessário que o interessado apresente um pedido de refúgio ao Estado brasileiro que o examinará e julgará segundo as leis e convenções adotadas pelo país. Este julgamento compete ao CONARE. O Comitê se reúne periodicamente em intervalos de até sessenta dias e delibera sobre as solicitações de refúgio.

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Cada caso é instruído com um parecer elaborado por servidor público do Ministério da Justiça e Segurança Pública, produzido com base em entrevista realizada com o interessado, pesquisa de país de origem e demais elementos apresentados para a comprovação de fundado temor de perseguição no país de origem. Também constitui fundamento para o refúgio a grave e generalizada violação de direitos humanos, situação que, infelizmente, tem afetado a milhares de pessoas nos últimos anos.

O parecer opinativo não vincula os membros do CONARE, ainda que tenha um papel relevante na formação do convencimento dos seus membros. Com base nessas informações e em outros elementos apresentados durante o julgamento, o Comitê constrói a solução relativa a cada caso, oportunizando aos beneficiários do refúgio o direito ao recomeço.

Hoje (28), o CONARE decidirá o pedido de refúgio de 7.992 venezuelanos, sendo 7.795 adultos e 197 menores. São homens, mulheres e crianças que buscam a partir dessa manifestação a oportunidade para recomeçar a história de suas vidas no Brasil. A importante missão de julgar esses processos toca a diferentes órgãos públicos e entidades privadas que integram o Colegiado.

Importante salientar que o tema do refúgio não constitui objeto de preocupação unicamente desses agentes. A sociedade civil também tem um papel relevantíssimo nesta matéria, seja através das ações que executa em favor dos refugiados diretamente, seja por meio do constante debate que promove com os membros do CONARE a esse respeito.

Merecem destaque a esse propósito, entre outras, as relevantíssimas iniciativas implementadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) e pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), vinculado à Congregação das Irmãs Scalabrinianas. Cada uma dessas entidades atua no sentido de Promover o reconhecimento da cidadania plena de migrantes, refugiados e apátridas, atuando na defesa de seus direitos, na assistência jurídica e humanitária, em sua integração laboral e sociocultural.

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Relevante salientar que as atas das reuniões ordinárias e extraordinárias do CONARE são divulgadas na página oficial do Ministério da Justiça e Segurança Pública logo após a sua aprovação. A iniciativa permite à sociedade opinar a respeito dos atos praticados no âmbito do Comitê e, por conseguinte, realizar o verdadeiro controle social das decisões do poder público nessa matéria. A divulgação evidencia o firme compromisso do Estado brasileiro com os princípios democráticos de direito, uma vez que submete as suas decisões ao permanente julgamento da cidadania.

São membros do CONARE o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que o preside), o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Ministério da Saúde (MS), o Ministério da Educação (MEC), o Ministério da Economia (ME), e a Polícia Federal (PF). Além deles, também integram o CONARE a Cáritas Arquidiocesanas do Rio de Janeiro e de São Paulo (titular e suplente, respectivamente).

*Cláudio de Castro Panoeiro, secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública

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