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Dilemas dos agentes autônomos de investimento

Por Daniel Favoretto Rocha
Atualização:
Daniel Favoretto Rocha. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  

Em plena pandemia, cujo contexto traz certa expectativa de crise econômica, o mercado de capitais brasileiro surpreende no caminho oposto. Em 2020, com recordes no aumento da dívida pública e queda abrupta do PIB, startups brasileiras receberam quantia recorde de investimentos, enquanto a bolsa de valores (B3) atingiu recorde de movimentação diária de capital e de adesão de investidores pessoas físicas. Impressionando muitos, o mercado de capitais, que costuma servir de termômetro para identificar crises, parece até ser contracíclico.

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Nesse cenário, uma figura a chamar crescente atenção é o agente autônomo de investimento. Fazendo uma analogia, enquanto o vendedor de uma livraria orienta seu cliente sobre os livros das prateleiras, os agentes autônomos assessoram investidores sobre os produtos de investimento no mercado. Esses agentes atuam em nome de distribuidores de valores mobiliários e exercem a função de assessores de investidores, mas, apesar das diferenças tênues, não devem ser confundidos com consultores, analistas de valores mobiliários ou administradores de carteiras (inclusive porque a cumulação dessas profissões configura uma infração às regras de regulação). Todos esses nomes se referem a intermediários do mercado, que prestam serviços e conectam investidores a empreendedores, com diferentes funções. Agentes autônomos são alguns desses vários intermediários.

A atenção que esses agentes vêm ganhando pode ser notada em recentes episódios: aumento do número de agentes autônomos atuando no mercado, crescentes operações de fusões e aquisições de escritórios de agentes autônomos, dedicação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na reforma da regulação desses agentes, disputa judicial entre XP Investimentos e BTG Pactual, repercussão na imprensa de discordâncias entre XP Investimentos e Itaú Unibanco em torno desses agentes, estudo da CVM sobre impacto regulatório da exclusividade de agentes autônomos e, por fim, a produção em andamento de um relatório da autoridade de defesa da concorrência (CADE) à CVM e ao Banco Central, com recomendações de aprimoramento da concorrência dos mercados financeiro e de capitais.

Apesar do destaque desses agentes no atual momento das corretoras digitais, eles não são figuras novas. Na verdade, os agentes autônomos operam no mercado há décadas, tendo sido regulamentados pelo Conselho Monetário Nacional já em 1967, pela Resolução nº 76, até chegarem ao cenário atual, disciplinados pela Resolução CVM nº 16/2021 e diversas normas que surgiram nas duas últimas décadas.

Os dilemas jurídicos que começaram a ganhar notoriedade dizem respeito, especialmente, à contratação e à remuneração dos agentes autônomos. Quanto à contratação, questiona-se os efeitos das relações de exclusividade que esses agentes têm com distribuidores de valores mobiliários. De um lado, a exclusividade pode incentivar esforços do distribuidor na divulgação de sua marca e no aprimoramento de seus agentes autônomos. De outro lado, pode implicar em menor concorrência, pois distribuidores de menor porte passam a ter menos agentes disponíveis no mercado para concorrerem com distribuidores maiores.

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Quanto à remuneração, enquanto a regulação da CVM exige que os agentes atuem com probidade e boa-fé, eles são remunerados pelos distribuidores, podendo variar conforme o produto de investimento vendido e o volume de transações concluídas na plataforma da distribuidora. Para alguns, o fato de serem remunerados pelos distribuidores geraria um conflito de interesses no assessoramento de investidores, implicando em orientações enviesadas e aumentando a vulnerabilidade informacional desses investidores.

Os dilemas envolvendo esses agentes vão além. Onde estão os perigos do mercado àqueles que querem começar a investir? Como verificar, nos casos concretos, se o agente autônomo atuou com probidade e boa-fé perante seus clientes? Qual o limite tolerável para eventual preferência dada pelo agente aos produtos da distribuidora à qual é vinculado? O que faz um investidor buscar uma corretora e seus agentes autônomos em vez de buscar um consultor ou um analista de valores mobiliários? Quais os efeitos das fusões e aquisições de escritórios desses agentes no mercado? Como delimitar a responsabilidade deles por eventuais prejuízos sofridos pelos investidores? De que forma os agentes devem se adaptar à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), considerando seus sistemas de gravação de voz e registros de ordens de clientes?

As perguntas são diversas e suas respostas, importantes para a adequada proteção daqueles que investem para o futuro do país, tendem a vir com diálogo, transparência e pesquisas metodologicamente rigorosas. Mesmo assim, uma hipótese parece ficar em pé: os agentes autônomos nasceram como meros piões do tabuleiro do mercado de capitais e tomaram uma importância inédita nos últimos anos, demandando reflexões em diversos campos do Direito.

*Daniel Favoretto Rocha, mestrando e bacharel em Direito pela FGV Direito SP (Fundação Getúlio Vargas), com apoio da Bolsa Mario Henrique Simonsen de Ensino e Pesquisa. Advogado, com atuação focada em mercados regulados e direito da concorrência. Autor de artigos acadêmicos publicados no Brasil e no exterior. Premiado na 16.ª edição do Prêmio ANBIMA, por pesquisa sobre agentes autônomos de investimento, sob orientação dos professores Viviane Muller Prado e Caio Mário S. Pereira Neto

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