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Dia de Reis

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Por Janice Linhares
Atualização:
Varanasi, Índia, 2019. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  

Quando viajo, a primeira coisa que apanho e ponho na mala são meus olhos de criança curiosa, cuidadosamente guardados na canastra escondida naquele quartinho secreto que tenho nos labirintos de meu coração: lá guardo também tantas outras coisas grandiosamente desimportantes - laços de fita, papéis de presente, convites carinhosos e cartões postais de um tempo em que verdadeiramente se lembravam dos Amigos (hoje só queremos exibir a nós mesmos).

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Levo na bagagem esses olhos infantis que conseguem ver aprendizado em meio ao caos, ao diferente, ao degradante, à sujeira das ruas, ao cheiro humano que sai dos esgotos das grandes cidades e causa repulsa por si próprio (é meu odor também? Somos assim, enfim...).

Esses olhos cintilantes (que todos têm, mas que muitos mantêm cerrados, por medo ou segurança) são vocacionados a perceber o invisível, a ver mesmo em meio à escuridão da noite que insiste em anoitecer as almas dos homens. São como estrelas a guiar o viajante em meio ao deserto; são luzeiros a indicar o caminho. São como a Estrela de Belém.

E foram esses olhos que me levaram até Ele, perdido no corpo de um Menino em meio às ruas da última cidade em que olhos cristãos O procurariam. Foi nas ruas de Varanasi (Índia) que Ele vagava distraído, num dia do chamado tempo comum, com sua mochila pesada de livros e cadernos a caminho da escola, muito a aprender. Caminhava de uniforme simples, tênis surrado no pé, acredito que poucos diriam que era Ele. Escondia Sua realeza onde mais gosta: na simplicidade. Estava disfarçado de coisas singelas, muito longe dos adornos do templo, nada das pesadas cruzes de ouro, sacrários majestosos, sendo observado pelos personagens sombrios das pinturas de grandes artistas do passado.

Mas quando passou por um senhor moribundo, sujo, seminu, deitado na calçada esperando a Morte lhe visitar, não conseguiu mais esconder Sua Majestade, Seu Esplendor... o menino estava atrasado, mas Ele não: estava no local exato, na hora perfeita. O Menino então se deteve, retirou a garrafa de água da mochila e deu de beber àquele homem, olhando-o profundamente para além de seu corpo arqueado e ressequido. E por um breve momento senti-me como os nobres Magos que em uma noite encantada testemunharam a chegada do Menino na singela manjedoura. Ali, naquelas ruas poeirentas e esquecidas pelo tempo, vi um coração transformar-se em suave berço a abraçar a Esperança...

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Que em 2021 sigamos a luz de nossa alma e trilhemos os mesmos passos do Menino: atenção ao caminho, dando de beber a quem tem sede!

*Janice Vargas de Carvalho Linhares, advogada, inscrita na OAB/MS 7711. Residente em Dourados-MS

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