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Receita achou pagamentos a médicos por trabalho em dois lugares ao mesmo tempo

Fisco avalia que discrepâncias resultam de um controle pouco efetivo do ponto dos profissionais

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Por Luiz Vassallo
Atualização:

Reprodução de portaria de inquérito do Ministério Público Estadual Foto: Estadão

A devassa da Receita em contratos bilionários da Saúde do Estado de São Paulo com uma das principais Organizações de Saúde na área de administração de hospitais públicos encontrou registro da presença de médicos atuando em dois lugares diferentes, ao mesmo tempo. O Fisco entendeu que as discrepâncias resultam de um controle pouco efetivo do ponto dos profissionais.

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A investigação corrobora com suspeitas levantadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito que mirou Organizações Sociais de Saúde (OSS) na Assembleia Legislativa de São Paulo. Os documentos foram obtidos pelo Estado. Nesta semana, a reportagem detalha a investigação de dois anos feita pela Receita Federal sobre contratos bilionários na Saúde de São Paulo. (Leia os capítulos um, dois e três)

Serviço Social da Construção Civil (Seconci) é a entidade que está em segundo lugar no ranking das OSS que mais receberam repasses entre 2014 e 2018. Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, foram R$ 3,5 bilhões em contratos. A entidade foi fundada em 1964 por um grupo de empresários para dar assistência a seus trabalhadores e famílias, e, além de hospitais públicos, também administra filantrópicos.

Na prática, por ser uma entidade de terceiro setor, a legislação permite que o Estado contrate as OSS sem licitação para a gestão de hospitais do Sistema Único de Saúde. Somente o Seconci faz a gestão de pelo menos sete hospitais estatuais, e três municipais. Também é responsável por unidades de Assistência Médica Ambulatorial da Prefeitura da Capital.

A entidade é detentora de contratos essenciais para a logística do SUS em São Paulo, como a Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde, a Central de Armazenamento e Distribuição de Insumos de Saúde e o Serviço Estadual de Diagnóstico por Imagens II.

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Em uma investigação que se iniciou em 2016, e foi encerrada com uma representação por atos de improbidade administrativa, a Receita Federal enumerou uma série de supostas irregularidades. A devassa selecionou parte dos contratos da entidade. Durante dois anos, auditores fizeram 13 pedidos de documentos ao Seconci. Realizaram também 12 diligências em empresas contratadas pela entidade, no âmbito de convênios com o Poder Público. Parte delas, ligada aos próprios dirigentes da OSS.

A investigação da Receita se encerrou com uma representação por improbidade contra a cúpula administrativa do Seconci, em dezembro. A conclusão do documento pedia que os autos fossem remetidos ao Ministério Público, que abriu inquérito civil. A investigação está nas mãos da promotora de Justiça Karyna Mori.

Um dos problemas apontados pela Receita ao Ministério Público Estadual de São Paulo foi o controle pouco efetivo da escala de ponto dos profissionais. "Analisando as escalas de trabalho verificamos que constam vários casos de profissionais escalados para o trabalho no mesmo horário, no mesmo dia, mas em locais diferentes, o que revela um controle pouco efetivo por parte da Eima e do contratante, e o pagamento por um serviço não executado".

Entre os casos apontados pela Receita, salários de parte dos dirigentes estariam acima dos vencimentos do governador do Estado, serviços supostamente pagos em duplicidade, ou despesas com contratos nunca executados, além de cláusulas contratuais 'prejudiciais ao interesse público', e renovações de contrato automáticas, sem a devida pesquisa de mercado.

As diligências do Fisco concluíram que em em novembro de 2013 'foram realizados 44 exames de mamografia uma das médicas e no mês de maio, foram realizados 21 exames de tomografia por um médico.

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"Para a realização desses exames, primeiramente, é necessária a tomada da imagem que é feita por técnicos, sob a supervisão de profissional médico, em uma das 7 unidades hospitalares.

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Em seguida, a imagem é enviada para a Central de Laudos, onde ficam alocados os médicos responsáveis por analisar as imagens e emitir os laudos. Os laudos dos exames são necessariamente emitidos pela central de laudos".

Segundo o fisco, conforme 'as escalas de trabalho enviadas, não consta que a médica, no mês de novembro, tenha trabalhado na central de laudos, ou em qualquer outra unidade do SEDI II'(Serviço Estadual de Diagnóstico por Imagens II).

De acordo com a Receita, um dos médicos, que consta em planilha, 'realizou 21 tomografias no mês de maio, e não foi localizado na escala para trabalhar na central de Laudos'. "No mês de maio, trabalhou somente no AMEB e no Hesap, e portanto, não poderia ter emitido laudos de 21 tomografias".

A Receita afirma ter anexado 'parte das escalas nas datas que o médico trabalhou no mês de maio/13'. Nas escalas do Hesap, o médico, segundo o fisco, 'prestou serviços nos dias 15, 22, e 29/05/13, no período da manhã e tarde'.

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No AME Heliópolis,  o mesmo médico, segundo o fisco, 'prestou serviços nos dias 12, 20 e 27/05 à tarde e dias 16, 17 e 24/05, no período da manhã'.

Segundo a Receita, o médico 'não prestou serviço na Central de Laudos, e portanto não teria como ter emitido os laudos de 21 exames de tomografia'

"Os profissionais acima relacionados constaram na planilha de pagamentos empresa médicas e médicos autônomos 2013, mas não estão relacionados nas escalas de trabalho da central de laudos, isto é, estes profissionais foram remunerados pela execução dos exames relacionados na planilha acima, mas não há indicação de que esses trabalhos tenham sido efetivamente realizados",anota a Receita.

"Analisando os documentos apresentados, verificamos escalas de médicos contendo profissionais alocados para o atendimento em unidades diferentes no mesmo dia e horário, planilhas de laudos emitidos por profissionais não escalados para o trabalho na central de laudos, fatos que comprovam que o Seconci pagou por diversos serviços não executados. O que caracteriza atos de improbidade administrativa", conclui.

COM A PALAVRA, SECONCI

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Com relação às escalas do Sedi II, é importante destacar que trata-se de um Serviço de Diagnostico por imagem, idealizado de maneira pioneira pelo Governo do Estado de São Paulo e que tem como objetivo centralizar em um espaço, com sistemas de última geração, profissionais médicos altamente especializados que recebam imagens (tomografias, ressonâncias, dentre outros) de unidades públicas distantes, que, de outra forma, jamais teriam acesso a tais equipamentos e profissionais.

O sistema, que é totalmente informatizado, trabalha com escalas prévias, permitindo inclusive que haja constante sintonia entre a demanda dos exames e a disponibilidade de profissionais.

É justamente essa flexibilidade que evita a desassistência e a ausência de profissionais médicos especializados, permitindo que o médico especialista receba as imagens, interprete-as e emita os laudos com o resultado das mesmas, de qualquer lugar - o que claramente beneficia os pacientes das unidades situadas em regiões distantes e carentes do Estado.

É importante esclarecer que a entidade não paga o profissional, especificamente, mas a equipe médica contratada para fornecimento de médicos, mediante exclusivamente a comprovada emissão dos laudos dos exames realizados.

Esse pagamento, como dito, se dá pela emissão do laudo do exame e seu envio à unidade solicitante, não havendo qualquer irregularidade ou descontrole nos pagamentos e na emissão dos laudos dos exames.

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COM A PALAVRA, A SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO

A Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo informa que já forneceu as informações solicitadas pelo Ministério Público e segue à disposição do órgão.

A pasta preza pela transparência, monitoramento e controle dos contratos de gestão, com rigorosa verificação de cumprimentos pela Secretaria, bem como acompanhamento de órgãos de controle (internos, como a Secretaria da Fazenda e Planejamento, e externos, como o Tribunal de Contas do Estado), parlamentares, representantes do Conselho Estadual de Saúde e profissionais renomados da área da saúde oriundos de outras instituições. Além disso, todas as informações referentes aos contratos de gestão são disponibilizadas no Portal da Transparência.

O aprimoramento da gestão e da qualidade dos serviços é preocupação permanente da pasta. Por isso, os contratos de gestão estabelecem os indicadores e metas de atendimento pelas OSS, que podem contratar pessoas físicas ou jurídicas para o atendimento à população. Devem também prestar contas ao Estado em relação ao uso dos recursos públicos que recebem, o que tem sido feito regularmente. Para toda e qualquer excepcionalidade constatada, ou apontada por órgãos de controle, são tomadas providências ou prestados os devidos esclarecimentos.

COM A PALAVRA, A SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO

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A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) enviou resposta preliminar aos questionamentos do MP/SP no último dia 08. Cabe ressaltar que os apontamentos, primordialmente, não compreendem unidades desta municipalidade e a administração busca informações mais detalhadas. A pasta está atenta a qualquer irregularidade nos contratos vigentes e totalmente à disposição do Ministério Público para qualquer esclarecimento e colaboração.

A SMS esclarece que a gestão atual promoveu reforço substancial no corpo de técnicos que analisam a prestação de contas dos contratos firmados com a pasta. Foram realizadas auditorias nos anos de 2016, 2017 e 2018, que resultaram em ampla revisão do cumprimento das metas qualitativas e quantitativas pelas organizações sociais, gerando, inclusive, descontos nos repasses.

A Controladoria Geral do Município de São Paulo está apurando o caso por meio da Corregedoria Geral do Município e da Coordenadoria de Auditoria Geral.

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