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Desvendando o 'Marco Regulatório das Criptomoedas'

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Por Rafael Zono e Bruno Savastano
Atualização:
Rafael Zono e Bruno Savastano. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Muito se noticiou recentemente na mídia sobre a aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei nº 4401, de 2021, o chamado "Marco Regulatório das Criptomoedas". Ocorre, entretanto, que tal denominação não reflete exatamente o escopo que o referido Projeto de Lei se propõe a abordar, fazendo-se de extrema importância, portanto, o esclarecimento de seu verdadeiro escopo e a dissipação de qualquer engano que tal nomenclatura possa vir a causar.

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O escopo do referido Projeto de Lei é, verdade seja dita, muito mais limitado do que se sugere, dirigindo seus dispositivos não às criptomoedas em si ou a todo o universo no qual estão inseridas, mas sim à atividade realizada por prestadoras de serviços de ativos digitais. São as chamadas Exchanges, instituições financeiras que operam com ativos digitais específicos, cuja natureza obriga que sejam abarcados pelo próprio Projeto de Lei nº 4401, de 2021. Além disso, o Projeto determina a criação de uma entidade da administração pública federal responsável por autorizar ou não o funcionamento dessas prestadoras de serviços de ativos digitais Tal ato estabelecerá também as hipóteses e os parâmetros em que tal autorização poderá ser concedida mediante procedimento simplificado.

Outra importante inovação trazida pela legislação é a definição jurídica do termo "ativos digitais", feita no próprio Projeto a partir da exclusão de alguns conceitos que não cabem na definição. Assim, ao fazê-lo, a norma não menciona criptomoedas ou tokens expressamente, mesmo sendo eles os elementos motivadores de sua publicação.

A esse respeito, inclusive, o Projeto de Lei esclarece no seu artigo 1º, Parágrafo Único, que suas disposições não se aplicam aos ativos digitais representativos de valores mobiliários, os denominados security tokens, em relação aos quais a jurisprudência já se manifestou no sentido de do seu enquadramento no conceito de contrato de investimento coletivo, como ocorreu no caso da ICONIC (Processo Administrativo Sancionador CVM nº 19957.003406/2019-91). O resultado desse enquadramento faz com que esses ativos digitais tenham a natureza de valores mobiliários, estando consequentemente sujeitos à regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

Assim, observa-se que a norma se aplica de fato apenas às utility tokens (ativos digitais de propósito específico, inseridas em um ambiente exclusivo e sem qualquer poder de compra para além dele) e aos payment tokens, como as Bitcoins, ativos digitais que servem como meios de pagamento, (mas não se confundem com moedas fiduciárias, emitidas pelos governos.

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Para determinar se o ativo digital é ou não um security token, a CVM vem aplicando uma metodologia chamada "Howey Digital", que é uma adaptação do Howey Test americano, desenvolvido em um julgamento da suprema corte americana com a finalidade de determinar se uma transação deveria ou não ser qualificada como um contrato de investimento coletivo. Sua intenção é determinar se um ativo digital deve ou não ser caracterizado como um contrato de investimento coletivo e, consequentemente, como um valor mobiliário. Claro que a aferição do contrato de investimento coletivo não é trivial, sendo necessária uma profunda análise da natureza do token, mas de qualquer maneira o Howey Digital exige que se responda afirmativamente a todas as seguintes perguntas para que o ativo digital seja definido como um valor mobiliário: Há investimento? Esse investimento é formalizado por um título ou um contrato? O investimento é coletivo? Alguma forma de remuneração é oferecida aos investidores? A remuneração oferecida tem origem nos esforços do empreendedor ou de terceiros?

Como dito, respondidas as perguntas afirmativamente, o ativo digital será considerado um contrato de investimento coletivo e, assim, sua distribuição estará sujeita à regulação da CVM, de modo que a oferta deverá necessariamente ser registrada na autarquia.

Outro avanço digno de nota é o estabelecimento de diretrizes para a atividade da prestação de serviços de ativos digitais, com o objetivo de proteger os investidores, tanto aqueles que investem nesses ativos por intermédio das prestadoras de serviço, quanto aqueles que investem no próprio desenvolvimento de instituições financeiras que prestam esses serviços. Isso se verifica na busca do Projeto em estabelecer um ambiente principiológico que fomente a livre iniciativa e a livre concorrência, a instituição de boas práticas de governança, a segurança da informação e a  proteção de dados pessoais, além da defesa dos consumidores, da proteção à poupança popular, da solidez e da eficiência das operações, e de criar um arcabouço suficiente para a introdução de regras específicas antilavagem de dinheiro e procedimentos Know Your Customer (KYC), que deverão permitir a identificação dos consumidores e consequentemente inibir a realização de atividades ilegais e práticas terroristas.

Dentre as omissões do Projeto dignas de nota, temos a ausência de dispositivos que abarquem atividades relacionadas a outros nichos de mercado que se utilizam de ativos digitais em seu ambiente, como é o caso dos jogos virtuais. Além disso, será necessário desenvolver uma regulamentação da comercialização dos Non-Fungible Tokens (NFTs) e das chamadas Security Tokens.

Ainda que não se trate propriamente de um "Marco Regulatório das Criptomoedas", é preciso reconhecer que o Projeto de Lei nº 4401, de 2021, traz inovações importantes, conferindo alguma segurança jurídica à atividade de prestação de serviços de ativos digitais em território nacional. Do mesmo modo, a indicação de uma entidade da administração pública federal e posterior aprofundamento da regulação também são fatores que contribuirão para elevar o nível de segurança do país e dessa forma atrair mais investimentos nesse novo universo dos ativos digitais.

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*Rafael Zono é sócio da área Financeira e Bruno Savastano é advogado da área de Mercado de Capitais do Machado Meyer Advogados

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