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Desigualdade na oferta

Por Rafael Gioielli
Atualização:
Rafael Gioielli. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Se a Covid-19 deixa um saldo trágico de centenas de milhares de mortos, também poderia deixar legados positivos importantes para o Brasil. O enfrentamento da pandemia, que mobiliza uma infinidade de recursos públicos e privados, deveria ser oportunidade para endereçarmos desafios que resistem há muito tempo no campo da saúde pública. É essa herança positiva que vemos, por exemplo, com a construção em curso de duas fábricas - uma na Fiocruz e outra no Instituto Butantan - destinadas a produzir vacinas da Covid-19. As novas unidades nos trarão autonomia até o final do ano e, provavelmente, serão fundamentais no enfrentamento de outras epidemias e pandemias que certamente virão pela frente. Com investimentos que chegaram à casa dos bilhões, resultados animadores também deveriam ser esperados na infraestrutura de assistência em saúde. Desde o início da pandemia, observamos que as redes pública e privada correram para atender a demanda e ampliar o número de leitos hospitalares, de UTIs e de ventiladores pulmonares. A oferta realmente cresceu. Se, em fevereiro, o Brasil dispunha de pouco mais de 30 mil leitos de UTI, em julho esse número já havia saltado para 52.425, um crescimento de 70%. Esse quantitativo se manteve praticamente estável até o final do ano passado. Um crescimento notável que tem tudo para ser um legado positivo. Mas como será que esse bolo está sendo repartido?

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Buscando fomentar essa discussão, a equipe do Instituto Votorantim, núcleo de inteligência social da Votorantim, analisou os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e criou o IDO - Índice da Desigualdade na Oferta.

O IDO fez parte do conjunto de iniciativas realizadas em conjunto pela Votorantim, pela holding investidora Votorantim SA e pelas empresas investidas Vorotantim, por meio do Instituto. As iniciativas tiveram início em março e continuam sendo realizadas, sempre com foco nas principais necessidades de cada momento da pandemia.

Em maio do ano passado, o Instituto já havia lançado o Índice de Vulnerabilidade Municipal, ferramenta digital, pública e gratuita desenvolvida para indicar, dentro dos 5.570 municípios brasileiros, quais cidades estavam mais e menos preparadas para enfrentar a Covid-19. Em outra frente, o Instituto Votorantim, com apoio de parceiros, realizou dois editais que selecionaram mais de 100 cidades para receberem apoio técnico remoto de especialistas nas áreas de gestão e de saúde.

Baseado na metodologia do Índice Gini que mede desigualdade de renda, o IDO mede a concentração da estrutura de saúde. Variando de 0 a 1, o índice fica mais elevado na medida em que a oferta não se distribui de maneira proporcional pela população. No caso de leitos de UTI ofertados pelo SUS, o IDO do Brasil se manteve em 0,39 em fevereiro e novembro. Isso indica que os quase 8 mil leitos criados no SUS nesse período não reduziram a desigualdade que existia antes da pandemia. Três aspectos parecem relevantes aqui. Primeiro, de um total de 21.352 UTIs abertas neste período, apenas 35% foram na rede pública. Segundo, a oferta privilegiou o centro sul. Apenas o estado de São Paulo ficou com mais de 20% dos leitos criados. Por fim, de julho a novembro foram fechadas 3.285 UTIs no SUS, uma perda de 26% do total criado entre fevereiro e julho. Ou seja, mesmo com a pandemia ainda em curso, leitos estavam sendo prematuramente desativados nos hospitais públicos.

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Em um país de dimensões continentais e com desigualdades regionais tão acentuadas, a oferta de infraestrutura de assistência em saúde também apresenta variações gritantes entre as diversas unidades da federação. Nessa perspectiva, o estudo permite estabelecer ao menos duas visões comparativas entre os estados.

A primeira toma por base a taxa de oferta dos equipamentos por habitante, o que nivela as diferenças no tamanho da população entre as regiões. Considerando a oferta de UTIs no SUS, enquanto a média nacional fica próxima a 11 leitos/100 mil habitantes, nos extremos brasileiros estão o Espírito Santo, com a taxa de 17,00 leitos/100 mil habitantes, e o Amapá, com apenas 1,42. Vale ressaltar que o ES mais do que dobrou a sua oferta entre o início da pandemia e novembro de 2020. Já o AP não apresentou qualquer incremento no mesmo período.

A outra forma de comparar como a oferta se diferencia em âmbito nacional é observando sua distribuição pela população das microrregiões dentro de cada estado. Assim, o Amapá, mesmo com sua oferta pequena, acaba sendo o terceiro estado menos desigual no País, apresentando um IDO de apenas 0,19. Os estados mais desiguais são o Piauí e o Rio Grande do Norte, com índice de 0,56. No caso do PI, o índice piorou levemente entre o início da pandemia e novembro. Isso deixa claro que as 126 novas UTIs do SUS abertas no estado até aquele momento não reduziram a desigualdade local.

Diante de uma batalha ainda em curso, talvez seja cedo para dizer qual será o saldo da pandemia na democratização do acesso à infraestrutura de saúde. Mas ainda há tempo para que governantes avaliem como as ações emergenciais que estão levando a cabo poderão deixar uma marca na redução das desigualdades. Diante de gastos sociais cada vez mais contingenciados, cada real precisa ser gasto de forma diligente para que se extraia dele todo o potencial possível. Em um cenário de tantas desigualdades, não é preciso esperar o bolo crescer para depois dividi-lo. Melhor será repartir de maneira equitativa enquanto cresce.

*Rafael Gioielli é gerente-geral do Instituto Votorantim, núcleo de inteligência social das empresas investidas da Votorantim S.A.

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