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Desequilíbrio chinês

Por Márcio Coimbra
Atualização:
Márcio Coimbra. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

É notório que os chineses orientam suas decisões por vetores muito bem definidos em extensos planos desenhados para décadas. A palavra estratégia está sempre alinhada a outra, planejamento, orientando cada passo da política e da economia. Entretanto, recentemente Pequim vem sendo surpreendida por uma série de acontecimentos que mudaram seu eixo, enfraquecendo as vigas sólidas de seus planos.

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O primeiro movimento foi a pandemia, originada em Wuhan, que balançou os alicerces da economia global por praticamente dois anos. Desde a eclosão da covid-19, Pequim iniciou um trabalho de gestão de crise e danos, de forma cuidadosa e demorada, como é comum nas culturas orientais. Os esforços têm sido grandes, mas o fato é que a imagem do país saiu irremediavelmente arranhada pelo vírus.

A crise energética e de insumos também atingiu a China, afetando a capacidade de produção de sua indústria e desabastecendo grande parte do mercado global. Xi Jinping reduziu a oferta de energia a carvão, enquanto viu a demanda por eletricidade aumentar por causa das restrições da pandemia. Grandes fábricas, incluindo da Apple e Tesla, suspenderam atividades depois que o governo implementou racionamento. Como se não fosse o bastante, a Inflação industrial na China teve alta recorde em 25 anos.

Entretanto, a preocupação mundial está diante da possibilidade de uma crise financeira, que iniciou na Evergrande e agora atinge a Sinic Holdings Group. A Evergrande alcançou prosperidade no mercado imobiliário, assinando projetos de construção em mais de 280 cidades. Possui subsidiárias no mercado de veículos elétricos, mídia, um time de futebol e até parques de diversões. É a segunda maior empresa do mercado chinês.

A Evergrande contraiu dívidas maiores do que sua capacidade de pagamento, rolando juros em débitos acima de 300 bilhões de dólares. A pandemia, claro, teve impacto, uma vez que o setor de construção chinês foi duramente afetado, abalando os faturamentos, mas acredita-se que a empresa esticou demais seu comprometimento de caixa. Além disso, não teve como absorver a desaceleração provocada pelo próprio governo chinês. Listada na bolsa de Hong Kong, a empresa chegou a perder 85% do seu valor de mercado. Se tornou uma ameaça para economia chinesa e os mercados internacionais.

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O problema é que um calote pode ter efeito sistêmico, causando insolvência em todo o sistema chinês de pagamentos, algo que afetaria diretamente o Brasil. Além disso, o setor da construção é um grande importador de commodities brasileiras, como minério de ferro e cobre. Nosso país sofreria na crise da economia real e com o abalo creditício. A construção civil responde diretamente por 7% do PIB chinês, chegando a 25% de forma indireta. Um abalo neste setor afeta a economia como um todo.

As consequências do desequilíbrio chinês podem ser enormes para o Brasil, pois afetam diretamente nossa economia, que optou pela sino-dependência exportadora. Hoje, 70% de nossas exportações são commodities e grande parte tem como destino a China. Além disso, os fartos e fáceis recursos chineses que financiam obras de infraestrutura por todo o Brasil, mas também toda América Latina, podem sofrer atrasos e cancelamentos, uma vez que seu lastro está garantido pelo governo de Pequim, que enfrenta uma série de crises geradas pela sua própria incapacidade de gerir o mercado. Os riscos de financiar-se por um país de governo autoritário, sem um mercado livre e judiciário independente são certamente altos. Nosso país pode acabar pagando este alto e amargo preço em breve.

Talvez seja o momento de nosso país repensar sua excessiva dependência de apenas um parceiro comercial. Se países desenvolvidos, democracias sólidas, tem receio em investir no Brasil e conseguimos apenas atrair capital advindo de governos autoritários, algo está errado. Ao nos tornarmos um país atrativo ao investimento externo, absorveremos capital de qualidade, de países sólidos, confiáveis, com instituições independentes. O perigoso atalho que tomamos em direção ao capital fácil e farto pode se tornar também nossa maior fraqueza.

*Márcio Coimbra é presidente da Fundação Liberdade Econômica. Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos, Espanha

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