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Desempenho importa

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Por Humberto Falcão Martins e Rudinei Marques
Atualização:
Humberto Falcão Martins e Rudinei Marques. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A PEC 32/2020, que trata da Reforma Administrativa, omite uma dimensão crucial para a conquista de bons resultados na prestação de serviços por qualquer organização pública contemporânea: a gestão de desempenho. A razão de ser das organizações públicas é tratar problemas públicos com o objetivo de solucioná-los com eficiência. Elas devem ser instrumentos de geração de valor público, e tratar de desempenho é falar sobre como fazê-las funcionar bem, otimizar recursos para atingir resultados.

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Gestão serve para assegurar um certo nível desejável/aceitável de desempenho e melhorá-lo de forma sustentável, para perdurar. A gestão do desempenho confunde-se, portanto, com a gestão propriamente dita. Gestão do desempenho é a forma como uma organização planeja, implementa, monitora, avalia e aprende com seus resultados e com os esforços necessários para alcançá-los, desde o nível institucional geral - governos, políticas públicas, organizações - até as pessoas, como indivíduos ou equipes.

Todos os temas, conceitos, metodologias e instrumentos de gestão devem estar a serviço da promoção do desempenho. Isso inclui  a propalada governança, cujo propósito é direcionar, controlar e incentivar o desempenho. Engloba também o accountability, que contém o requisito da responsividade atrelado à conformidade.

A temática do desempenho não tem tido um tratamento condizente na prática, no debate e na literatura sobre gestão pública. Desempenho é frequentemente reduzido a desempenho de indivíduos e equipes (centrado em tarefas e micro entregas); confundido com avaliação (apenas um dentre muitos aspectos da gestão) e com capacidades (premiando-se competências em vez de sua aplicação para o desempenho). Também tem sido demonizado como "método" cruel de extração de produtividade de recursos (principalmente pessoas), seja por trazer à luz métricas e metas, seja por estabelecer consequências, como prêmios ou punições, pelo seu grau de alcance.

De fato, inexiste na Constituição e na legislação em geral uma visão clara, consistente e integrada de gestão do desempenho; ou melhor, existe uma ideia desestruturada, informal, casuística, fragmentária e improvisada. Aparentemente, está implícito o falso pressuposto de que os sistemas de planejamento e avaliação darão conta de prover de forma integrada o devido direcionamento, a implementação e a avaliação das organizações públicas. Isto sem adentrar no mérito da extensão na qual os sistemas de planejamento e avaliação por acaso funcionam bem. Não funcionam.

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Resta, portanto, um desafio de que a legislação possa dispor de forma coerente sobre a adoção de modelos sistemáticos, estruturados e explícitos de gestão do desempenho, posto que isto é um requisito necessário, embora não suficiente, para que tais modelos se institucionalizem na prática. Nesse sentido, é imperioso atentar  para alguns atributos e requisitos que a gestão do desempenho deve possuir.

O principal deles é que a gestão do desempenho tem que perpassar necessariamente a dimensão institucional (dos governos, das organizações) e também a dimensão das pessoas, buscando integrar esta última à primeira. Na dimensão institucional, é essencial que a gestão do desempenho logre tornar explícitos, mensuráveis, avaliáveis e transparentes os propósitos, resultados e iniciativas das organizações públicas. Na dimensão das pessoas, é essencial que o desempenho dos indivíduos e equipes esteja muito bem alinhado com a esfera institucional, que contemple métricas adequadas à natureza do trabalho e um sistema de pontuação que seja fidedigno e justo. Metodologias baseadas na competição ou na ameaça devem ser rechaçadas, pois tanto a cooperação quanto o cuidado são fatores que humanizam o ambiente laboral.

É essencial a atenção das lideranças à gestão do desempenho. Líderes são, fundamentalmente, gestores que elaboram a liga entre a organização e suas equipes. Assim, são os grandes patrocinadores de qualquer modelo de gestão do desempenho, atuando, principalmente, na construção de um clima de aprendizado e melhoria, engajamento e cultura para resultados.

Outra questão diz respeito à conexão da gestão do desempenho com a temática do desenvolvimento de pessoas, requisito fundamental para o bom desempenho. A gestão identifica gaps de competências a serem vencidos, dando bom proveito à capacitação, dialoga com a temática da melhoria e inovação organizacional, indicando necessidades de melhorar processos, estruturas, orçamento, tecnologia, gestão de pessoas e a própria gestão do desempenho.

Uma questão polêmica diz respeito aos incentivos. É importante que haja incentivos, mas é  fundamental ter clareza de que eles não devem ser necessariamente financeiros. Estes são uma faca de dois gumes, podendo promover algum engajamento temporário, mas facilmente se tornar objeto de manipulação e reforçar o caráter interesseiro de agentes públicos não vocacionados. Incentivos meritórios são muito mais eficazes em relação à gestão pública do que os financeiros. Há muitos tipos de incentivos meritórios que podem ser utilizados, como reconhecimento, visibilidade etc.

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Outro ponto remete à avaliação do desempenho, que quase sempre rouba a cena da gestão do desempenho. Embora necessária na maior parte das circunstâncias, a avaliação é um momento fugaz que acontece uma ou duas vezes ao ano com a expectativa de resultar em alguma consequência formal, usualmente uma recompensa. O principal da avaliação é o aprendizado gerado. Nesse sentido, feedbacks contínuos são infinitamente mais importantes do que avaliações episódicas, geralmente um processo burocrático e fake, no qual todos se colocam no topo das pontuações.

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Estas reflexões podem ser tomadas como indicações ao aprimoramento do debate, das propostas de legislação e das práticas gerenciais no setor público. Cientes dos desafios do serviço público brasileiro diante das múltiplas crises que o país atravessa, o Movimento Pessoas à Frente e o Fonacate dão um passo histórico na construção do diálogo entre sociedade civil, servidores públicos e suas entidades de classe com vistas à elaboração de uma proposta necessária e viável de gestão do desempenho no setor público, recolocando as pessoas - de dentro e de fora do governo - no centro das decisões políticas e sociais.

*Humberto Falcão Martins, professor da Fundação Dom Cabral; Rudinei Marques, presidente do Fonacate. Ambos integram o Movimento Pessoas à Frente

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