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Desafios tributários no mercado de colecionáveis digitais (NFTs)

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Por Felipe Hanszmann e Michel Siqueira Batista
Atualização:
Felipe Hanszmann e Michel Siqueira Batista. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Um mercado que tem crescido vertiginosamente no exterior e que no Brasil ainda é incipiente é o dos colecionáveis digitais. Para se ter ideia da magnitude do mercado, no último dia 11 de março uma obra do artista digital Beeple foi arrematada em um leilão da tradicional Christies's, em parceria com o site especializado Makers Place, por incríveis US$ 69,3 milhões.

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Há notícia da comercialização de obras de artistas não digitais renomados, a exemplo do badalado Banksy, que teve sua tela "Morons" queimada na versão original e posteriormente eternizada digitalmente. Nos esportes, atletas como Cristiano Ronaldo começam a explorar sua imagem por meio desse formato.

O segmento empresarial também já está desbravando essa nova tendência como estratégia de branding, caso da rede de fast food Taco Bells, que lançou GIFs de imagens de tacos, seu produto principal.

Os exemplos de criação e aplicação de colecionáveis digitais vão até onde a criatividade permitir. Em breve síntese, o diferencial dos colecionáveis digitais em comparação com arquivos digitais quaisquer é o seu registro mediante tecnologia de registro distribuído (blockchain), transformando-o em um non-fungible token (NFT), o que permite atestar sua origem, autenticidade e titularidade a qualquer momento de forma segura mesmo no ambiente virtual.

O que diferencia os NFTs das criptomoedas / criptoativos é a fungibilidade. Enquanto as criptomoedas como Bitcoin e Ether são fungíveis (característica esta que permite sua utilização como meio de troca - daí a comparação a uma moeda), os NFTs têm natureza não fungível, o que os torna não intercambiáveis.

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Apesar da tecnologia subjacente comum (blockchain), os NFTs e criptoativos fungíveis têm funcionalidades distintas em muitos aspectos, que resultam em utilização econômica também diversa.

Assim, o tratamento tributário aplicável às operações envolvendo NFTs traz novos desafios em comparação aos criptoativos fungíveis, dadas as particularidades.

Um primeiro desafio diz respeito à relação entre o emissor do NFT e o detentor/criador do conteúdo colecionável (artistas plásticos, celebridades, detentores de marcas, etc.), uma vez que por definição a emissão do NFT envolve a exploração de propriedade intelectual (som, imagem, marca, obra de arte etc).

É possível, portanto, que o emissor se qualifique como mero prestador de serviço naquelas situações em que seu papel se resume a operacionalizar a "tokenização" da propriedade intelectual por conta e ordem de um terceiro contratante, a quem será atribuída a titularidade do NFT.

Situação diversa pode ocorrer nos modelos de negócio em que o emissor adquire o direito à propriedade intelectual, emite os NFTs e os negocia em nome próprio. Nesses casos, trata-se de operação mais complexa, havendo por um lado um investimento na aquisição de um ativo intangível, remunerando-se a outra parte em geral via royalties (fixos ou variáveis), e na outra ponta uma verdadeira atividade profissional, de venda dos colecionáveis para clientes interessados.

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Neste cenário, pode-se discutir a natureza da atividade desenvolvida pelo emissor, havendo pelo menos três linhas de raciocínio, cada qual com suas repercussões tributárias, seja em matéria de tributos federais, estaduais e municipais.

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A primeira delas seria entender que se trata de um serviço, sendo a atividade enquadrada, por exemplo, como "processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres", hipótese prevista no item 1.03 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.

A segunda interpretação factível seria atribuir ao NFT a natureza jurídica de um "bem ou mercadoria digital". Nessa hipótese, haveria um desdobramento dependendo da existência de habitualidade ou padronização: (i) em caso de ausência de habitualidade ou de NFT não padronizado, seria defensável a não incidência do ICMS (tampouco do ISS); ou (ii) existindo habitualidade ou intuito comercial da atividade, poderia ocorrer sujeição ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O tratamento nesse caso dependeria das legislações estaduais, sendo que o Convênio Confaz nº 106/17 disciplina os procedimentos de cobrança do ICMS incidente nas operações com bens e mercadorias digitais, tais como arquivos eletrônicos e congêneres comercializados por meio de transferência eletrônica de dados, enquanto com relação a alguns estados o Convênio Confaz nº 181/15 autoriza a redução da base de cálculo destas operações.

A terceira opção seria um formato de sublicenciamento (de algo que não seja um software), hipótese em que à primeira vista a atividade não ficaria sujeita nem ao ISS nem ao ICMS. A caracterização como serviço ou venda de bem/mercadoria digital impacta ainda na apuração de tributos sobre o lucro, notadamente para os contribuintes sujeitos ao Lucro Presumido.

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Finalmente, sob a perspectiva do comprador da NFT, a princípio deverá ser declarado ou reconhecido contabilmente um bem/ativo, cujo valor de uma alienação subsequente ensejará a apuração de ganhos de capital ou receitas tributáveis, a depender da natureza (pessoa física ou jurídica, residente ou não residente) e atividade do vendedor.

Como se vê, as possibilidades de tratamento tributário são diversas e o nosso arcabouço jurídico precisará amadurecer para lidar com o surgimento dos novos ativos representados pelos colecionáveis digitais.

*Felipe Hanszmann é mestre em Corporate and Securities Law pela London School of Economics, professor da FGV-Direito Rio e sócio de Vieira Rezende Advogados; Michel Siqueira Batista é mestrando em Ciências Contábeis (Fucape Business School), pós-graduado em Direito Tributário (Ibet) e em Contabilidade Financeira (UFRJ) e associado de Vieira Rezende Advogados

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