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Desafios do dia seguinte

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Por Redação
Atualização:
Wagner Mancuso. Foto: Divulgação

*Por Wagner Pralon Mancuso

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Banindo o financiamento eleitoral empresarial, o Brasil favoreceu a igualdade política, a competição política e o comportamento republicano dos eleitos. Foi uma enorme vitória. Agora o país precisa pensar no dia seguinte. Em 2015, ano sem eleições, a verba destinada ao fundo partidário triplicou. Em 2016 haverá eleições para 5.570 prefeitos e quase 57 mil vereadores. É preciso equacionar cuidadosamente algumas questões, para não substituirmos problemas antigos por problemas novos.

A primeira questão a ser enfrentada é a definição do montante de recursos públicos que será destinado ao financiamento eleitoral, para complementar as doações de pessoas físicas e as autodoações dos candidatos, que não foram banidas, mas que no formato atual também podem gerar desigualdade.

Afinal, quanto o país deve investir no financiamento da competição política? Como escapar da dependência de grandes empresas, sem pilhar os cofres públicos? Não há fórmula mágica para responder tal pergunta. Trata-se de uma decisão política. O desafio aqui é definir um valor que viabilize a competição, mas ao mesmo tempo não onere excessivamente os cofres públicos. Medidas que barateiem as campanhas eleitorais ajudariam a evitar o ônus excessivo. Outra saída seria fazer a campanha girar mais em torno de partidos do que de indivíduos - mas isto é difícil num sistema de representação proporcional com lista aberta. Talvez partidos e candidatos precisarão recorrer novamente, nas ruas e nas redes sociais, à força da militância política, recurso que andava tão esquecido em tempos de campanhas profissionais.

A segunda questão a ser tratada são os critérios de distribuição dos recursos públicos. No modelo atual, os maiores partidos políticos são favorecidos na distribuição dos recursos públicos - tanto o fundo partidário, quanto o horário gratuito de rádio e TV. Se, por um lado, essa distribuição assimétrica acompanha as preferências do eleitorado brasileiro, por outro lado pode prejudicar a competição política, em detrimento dos partidos menores. Sabe-se porém que, no modelo vigente, a indústria de criação de partidos políticos é estimulada pela garantia constitucional de acesso de todos o partidos a recursos públicos, tais como o Fundo Partidário e o horário gratuito no rádio e na TV. Muitas vezes o horário gratuito é usado por partidos pequenos como moeda de troca na formação de coligações com os partidos maiores, com vistas ao alcance de cargos públicos e espaços de poder. Portanto, o segundo desafio é estabelecer critérios de distribuição dos recursos eleitorais públicos que, ao mesmo tempo, respeitem as preferências do eleitorado, mas não desnivelem excessivamente a competição política, nem favoreçam a fragmentação artificial do sistema partidário.

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A terceira questão é a seguinte: um dos traços mais marcantes no perfil da classe política brasileira é a histórica sub-representação de determinados segmentos sociais, tais como mulheres, negros e pessoas com deficiência, dentre outros. Então, o terceiro desafio que se coloca é usar o financiamento eleitoral público para estimular os partidos políticos a apresentarem mais candidaturas de segmentos sociais sub-representados. Os partidos que o fizessem poderiam ser premiados com mais recursos, e os partidos que não o fizessem poderiam ser punidos com perda de recursos.

Por fim, não adianta banir formalmente a doação eleitoral empresarial se empresas puderem, de forma ilegal e impune, continuar ofertando tais recursos a partidos e candidatos, e estes, da mesma forma, puderem continuar a demandá-los e recebê-los. Portanto, o quarto desafio é imprimir total transparência ao processo de recebimento, uso e prestação de contas de recursos eleitorais, bem como fiscalizar e punir a doação e o recebimento de financiamento ilícito.

Como se vê, o "day after" do banimento do financiamento eleitoral coloca uma série de questões importantes. Vale a pena enfrentá-las, sem retroceder nenhum passo nessa importante vitória, que foi arrancar a democracia brasileira das mãos de um pequeno punhado de grandes empresas.

* Wagner Pralon Mancuso é doutor em Ciência Política pela USP e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da mesma universidade.

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