Pepita Ortega
31 de março de 2022 | 13h25
Atualizada às 15h*
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Defesa Walter Souza Braga Netto. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Deputados que integram a bancada do PSOL na Câmara protocolaram na manhã desta quinta-feira, 31, no Ministério Público Federal, uma representação pedindo a investigação do presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro da Defesa Braga Netto por suposta ‘incitação ao crime’ e ‘apologia de crime ou criminoso’ em razão da nova exaltação do golpe de 31 de março de 1964, que marcou o início da ditadura militar – período sombrio marcado por torturas, assassinatos e censura.
O documento também atribui a Bolsonaro e a Braga Netto crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa, solicitando que o Ministério Público Federal ‘tome todas as providências cabíveis’ para a imediata retirada de todas as ordens do dia que o governo editou para fazer ‘apologia’ ao golpe. Além disso, os deputados pedem a responsabilização do presidente e do ex-ministro da Defesa por dano moral coletivo, com indenização a ser revertida a organizações de direitos humanos em defesa da Memória, Verdade e Justiça.
“Ao pretender sua volta (da ditadura), os Representados (Bolsonaro e Braga Netto) incitam a prática dos mesmos crimes antes cometidos como a tortura, o abuso de poder, as lesões corporais, os homicídios e numerosos outros tipos penais todos atentando contra a sociedade, a democracia, as organizações, a liberdade e a vida das pessoas”, sustentam os parlamentares.
Os deputados ressaltam que a ordem do dia assinada por Braga Netto contraria ‘a Constituição, os fatos históricos e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, em especial aqueles relacionados ao exercício dos direitos políticos e respeito à democracia’. A representação diz que o presidente e o ex-ministro da Defesa são responsáveis por ‘comportamentos reiterados e permanentes de afronta’ à carta magna.
“O que se observa, portanto, é que o Estado brasileiro, conduzido por Jair Bolsonaro, além de ignorar as determinações da Constituição Federal e da Corte Interamericana de Direito Humanos, atua em sentido diametralmente oposto: faz apologia à ditadura militar em plena página oficial do governo”, sustentam os parlamentares.
As quase 90 entidades, movimentos e organizações que integram o chamado ‘Pacto pela Vida’ repudiaram a ordem do dia assinada por Braga Netto em uma das ‘recorrentes tentativas de se reescrever a história brasileira’ com a celebração da ditadura militar. “O regime autoritário imposto pelo golpe militar de 1964 ceifou vidas, cerca de 434 pessoas foram mortas, mais de 20 mil cidadãos e cidadãs brasileiras torturadas, além da perseguição e do afastamento da vida pública de quase cinco mil representantes políticos em todo país. A censura imposta a estudantes, jornalistas, artistas e intelectuais deixou cicatrizes profundas nas instituições e na sociedade brasileiras”, lembram as entidades.
Em carta cuja abertura frisa a célebre frase ‘Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça: Ditadura Nunca Mais’, o grupo diz que ‘todos os pilares democráticos estabelecidos pela Constituição Federal’ vêm sendo ‘ampla e gravemente’ atacados pelo governo Bolsonaro. As entidades dizem repudiar ‘toda e qualquer tentativa de retrocesso democrático’ e conclamam as instituições a ‘reforçarem sua missão de manutenção da liberdade de expressão e da democracia em nosso país’.
Entidades dizem que governo ataca ‘ampla e gravemente’ a Constituição e deputados acionam Procuradoria contra Bolsonaro e Braga Netto por ‘apologia à ditadura militar’
“As lógicas de poder concentrado e permanente, as restrições de liberdades individuais, da participação popular e política e do direito ao voto, a perseguição e intolerância à oposição e a censura foram descontinuadas pelo processo de democratização e assim devem ser mantidas e ampliadas. As organizações abaixo signatárias valorizam e defendem a democracia e seus princípios de poder descentralizado e alternado, com o reconhecimento de pertencimento de todas e todos, de forma participativa e de multiplicidade ideológica em todas as esferas da vida social e política, com liberdade de associação, participação, de expressão e de imprensa”, registra o grupo.
A nota ainda dá destaque às investidas contra o processo eleitoral e pondera destaque para a atuação da Justiça Eleitoral da defesa da democracia. Nessa linha, o texto registra que ‘não há espaço para decisões que tentem impor uma censura prévia a manifestações artísticas legítimas’.
A indicação faz referência à decisão do ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, que havia proibido manifestações políticas durante o festival Lollapalooza, a pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Após receber uma série de críticas de políticos, artistas e jusristas, o ministro revogou o despacho e tentou se explicar, dizendo que artistas têm garantida ‘a ampla liberdade de expressão’.
Após ser citada na ordem do dia assinada pelo ex-ministro da Defesa, a Ordem dos Advogados do Brasil também se manifestou sobre o aniversário do golpe militar, reafirmando seu ‘compromisso com o Estado de Direito e com a defesa do sistema eleitoral vigente, que tem assegurado a continuidade da democracia no país’.
Em nota, o presidente da entidade, Beto Simonetti, sustentou que a ordem contestou o Ato Institucional Número 5 (AI-5) – o mais duro da ditadura – e as prisões politicas. Segundo o advogado, a OAB ‘protagonizou a luta pela democracia’.
Na ordem do dia que exalta a ditadura, Braga Netto alega que o golpe teria sido apoiado por famílias, igrejas, empresários, políticos, a imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as Forças Armadas e a “sociedade em geral”.
Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça: Ditadura Nunca Mais
As organizações da sociedade civil aqui signatárias vêm a público reforçar seu compromisso com a democracia brasileira e manifestar repúdio às recorrentes tentativas de se reescrever a história brasileira ao ‘celebrar’ o golpe civil-militar ocorrido em 31 de março de 1964.
O regime autoritário imposto pelo golpe militar de 1964 ceifou vidas, cerca de 434 pessoas foram mortas, mais de 20 mil cidadãos e cidadãs brasileiras torturadas, além da perseguição e do afastamento da vida pública de quase cinco mil representantes políticos em todo país. A censura imposta a estudantes, jornalistas, artistas e intelectuais deixou cicatrizes profundas nas instituições e na sociedade brasileiras.
O período recente da história brasileira tem sido marcado por ataques à democracia e às instituições com perseguição de opositores e vozes dissidentes, como membros da sociedade civil organizada, jornalistas, artistas e ativistas. Todos os pilares democráticos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 vêm sendo ampla e gravemente atacados pelo atual governo federal ao longo dos últimos três anos, sendo o processo eleitoral um alvo recorrente e primordial de tais investidas.
Nesse contexto em que a integridade e credibilidade do sistema eleitoral estão sob ameaças, a atuação da Justiça Eleitoral na defesa da democracia e da lisura do processo eleitoral é fundamental. Não há espaço, portanto, para decisões que tentem impor uma censura prévia a manifestações artísticas legítimas, fragilizando a democracia brasileira ao não se coadunarem com o papel histórico dessa importante instituição.
As lógicas de poder concentrado e permanente, as restrições de liberdades individuais, da participação popular e política e do direito ao voto, a perseguição e intolerância à oposição e a censura foram descontinuadas pelo processo de democratização e assim devem ser mantidas e ampliadas. As organizações abaixo signatárias valorizam e defendem a democracia e seus princípios de poder descentralizado e alternado, com o reconhecimento de pertencimento de todas e todos, de forma participativa e de multiplicidade ideológica em todas as esferas da vida social e política, com liberdade de associação, participação, de expressão e de imprensa.
A sociedade civil organizada coloca-se como motor e amplificador da democracia em suas diversas perspectivas e, desse modo, vem a público repudiar toda e qualquer tentativa de retrocesso democrático e conclamar as instituições a reforçarem sua missão institucional de manutenção da liberdade de expressão e da democracia em nosso país.
O nosso compromisso é com a construção de uma sociedade democrática, livre de censura, perseguições e violência institucional, e por isso, seguiremos atuantes, vigilantes e na luta.
Confira as organizações que assinam a nota:
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.