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Depressão: a necessidade de maior conscientização no ambiente laboral, no Poder Judiciário e na sociedade

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Por Priscila Kirchhoff e Igor Tavares
Atualização:
Priscila Kirchhoff e Igor Tavares. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Foi alvo de recente e intensa repercussão uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, que reconheceu a validade da justa causa aplicada contra uma empregada que se encontrava em afastamento médico, sob o diagnóstico de depressão, mas publicou fotos suas no Facebook em eventos sociais ocorridos em São Paulo.

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Segundo as informações disponibilizadas sobre o caso, o entendimento da 4ª Turma do referido Tribunal foi de que a empregada teria praticado falta grave apta a ensejar a ruptura contratual por justa causa, diante de simulação sobre sua condição de saúde. A decisão em questão pontuou ainda que "as fotos não revelam estado abatido da trabalhadora", acolhendo tal elemento de prova obtido por meio de suas redes sociais como evidência que amparou a aplicação da punição mais grave prevista pela CLT.

Cabe pontuar que em pesquisa no repositório de jurisprudência do referido Tribunal não foi possível encontrar o acórdão em debate, e a matéria mencionada acima tampouco indica a numeração do feito, pelo que provavelmente este se encontra sob segredo de justiça, de forma a manter a privacidade da trabalhadora. Assim, nossa análise se baseará nas informações disponibilizadas pela matéria elaborada pela própria assessoria de imprensa do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

A depressão é considerada como a "doença do século" pela Organização Mundial da Saúde ("OMS"), diante da quantidade expressiva de indivíduos que sofrem de tal condição na sociedade moderna. Pelos dados constantes de relatório produzido no ano de 2017 pela OMS, a depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo, sendo 11,5 milhões apenas no Brasil.

Seus sintomas são inúmeros, tais como: humor depressivo, ansiedade, angústia, desânimo, cansaço, necessidade de dispender esforço considerável para realização de atividades corriqueiras, diminuição ou incapacidade de sentir prazer na realização de atividades anteriormente consideradas como agradáveis, apatia, falta de motivação, perda ou diminuição da libido, sentimentos de desesperança, baixa autoestima, dificuldade de concentração, insônia e pensamentos suicidas. E, como pode se observar nos exemplos citados, tal moléstia afeta o indivíduo em diversos aspectos de sua vida, podendo prejudicar suas interações sociais, desempenho profissional e relações amorosas. Porém, nem todo indivíduo que sofre de tal condição apresentará, necessariamente, todos os sintomas a ela associados, o que varia de caso a caso.

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Assim, é necessário desmistificar a doença e superar a suposição de que o paciente diagnosticado com depressão precisa demonstrar "estado abatido", como pontuado na decisão debatida, pois não é raro que pacientes com estado grave de depressão pareçam sociáveis e até mesmo felizes para aqueles que se encontram a seu redor.

Exemplos sobre tal fato são inúmeros, e alguns dos mais recentes envolvem os cantores Chris Cornell e Chester Bennington, conhecidos por seus trabalhos nas bandas "Audioslave" e "Linkin Park", respectivamente. Lamentavelmente, ambos cometeram suicídio, apesar de transmitirem uma imagem de felicidade para aqueles que os viam em apresentações ao vivo, eventos e vídeos.

Portanto, participar de eventos sociais, se reunir com familiares e conhecidos ou não parecer "abatido" em fotografias não implica necessariamente na conclusão de que o indivíduo está com a saúde mental em bom estado. É inclusive comum que psicólogos e psiquiatras incentivem que o paciente evite o auto isolamento, para que haja uma boa evolução do seu tratamento.

Assim, entendemos que eventual aferição sobre a existência da doença somente poderia ser realizada por meio de perícia médica conduzida por profissional altamente especializado.

Nesse sentido, recomendamos que os empregadores busquem mais informações acerca da depressão enquanto doença, seus sintomas e como esta pode afetar o indivíduo, antes de chegar a conclusões precipitadas sobre a existência de fraude ou má-fé na apresentação de atestados médicos que a envolvam. Eventuais suspeitas devem, obviamente, ser investigadas, mas mediante o uso das ferramentas adequadas.

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Apesar da decisão ter sido favorável ao empregador no caso citado acima, existem precedentes favoráveis aos empregados em casos similares, cabendo as empresas estarem em sintonia com as pautas de ESG, cuidando do bem-estar psicossocial de seus empregados e promovendo um ambiente de trabalho saudável, evitando-se, assim, desnecessários litígios e danos reputacionais.

Logo, fundamentar a dispensa de um empregado por justa causa apenas com base em fotos postadas em rede social que demonstram seu estado de felicidade, supostamente incompatível, portanto, com o seu afastamento por depressão, seria uma medida no mínimo arriscada por parte do empregador.

*Priscila Kirchhoff e Igor Tavares, respectivamente, sócia e associado da prática trabalhista do Trench Rossi Watanabe

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