A Defensoria Pública do Estado do Rio recebeu 931 denúncias de 'tratamentos desumanos' contra presos ao longo de dez meses. O total de relatos resulta em uma média de três presos 'agredidos de forma física ou psicológica' por dia durante o período pesquisado - ou seja, de agosto de 2018 a maio deste ano.
As informações foram divulgadas pela Defensoria.
Os dados serão divulgados nesta sexta-feira, 2, durante o Seminário Pelo Fim da Tortura, que a Defensoria promove em sua sede no centro.
Segundo os registros, 'os agentes de segurança pública seriam os principais autores das violações'.
Do total de denúncias, 903 (98%) foram feitas pelas próprias vítimas - sendo a maioria (96%) durante a audiência de custódia, na qual a pessoa detida em flagrante é apresentada a um juiz responsável por avaliar a necessidade ou não de manter a prisão.
Desse total, 869 afirmaram ter sofrido agressões físicas. Deste universo, 412 (57%) disseram que a lesão ainda estava aparente. Agressões psicológicas foram relatadas por 311 presos.
O levantamento produzido pela Defensoria do Rio resulta do Protocolo de Prevenção e Combate à Tortura, que completou um ano no último dia 26 de junho.
Criado pela Resolução 932/2019, o protocolo estabeleceu um fluxo para os casos de tortura que chegam à instituição por meio de seus órgãos de atuação presentes em todo o estado do Rio.
Cada denúncia é encaminhada para o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), que assume o monitoramento e adota as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias para a devida responsabilização.
A compilação das denúncias recebidas é feita pela Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria.
Segundo aponta o levantamento, as vítimas integram um perfil comum no sistema penitenciário brasileiro.
Do total de denúncias, 895 foram feitas por homens, 590 por pessoas que não chegaram a completar o ensino fundamental e 659 por pretos e pardos.
O defensor público Fábio Amado, que coordena o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, explicou que 'a produção de estatísticas sobre abordagens violentas por parte de agentes do estado visa a contribuir para a implementação de ações estratégicas para coibir práticas desta natureza'.
De acordo com ele, o protocolo da Defensoria 'reforça a missão constitucional da instituição de promover e defender os direitos humanos'.
Apesar de o combate a esse tipo de violação ser também responsabilidade do estado, o defensor ressalta que 'tratamentos desumanos ou degradantes ainda são um problema sistemático e generalizado no país'.
"As denúncias de tortura no Rio de Janeiro refletem a perpetuação dessa prática, principalmente no momento da detenção", afirma o defensor.
Segundo ele, 'existe, infelizmente, uma naturalização dessa prática tão grave que é a tortura'.
"Por esse motivo, criamos o Protocolo de Prevenção e Combate à Tortura da Defensoria Pública do Rio: o primeiro do Brasil, até onde temos notícia, feito por uma instituição do sistema de Justiça. O objetivo é coletar e organizar dados que efetivamente possam ajudar a pôr fim a essa prática odiosa", destaca Fábio Amado. .
A defensora pública Mariana Castro, que integra o Núcleo de Direitos Humanos, afirma que a produção de estatísticas 'contribui para o debate sobre o tema, assim como para a implementação de políticas públicas contra a tortura'.
"Os dados ajudam a conscientizar a população e os governantes sobre a magnitude do problema, para que assim possam defender medidas legislativas ou administrativas que combatam essas práticas de forma mais efetiva", afirma Mariana.
A tortura
Do total de presos que relataram ter sofrido agressão física, 824 indicaram o local. Os lugares mais apontados foram 'aonde ocorreu a prisão' (760 relatos), a 'delegacia' (36), a 'unidade prisional' (19) e a 'viatura da Polícia' (13).
Com relação ao agressor, policiais militares figuram em primeiro lugar, com 687 denúncias.
Populares e agentes penitenciários, da Polícia Civil e segurança privada também aparecem como autores, de acordo com 104 casos registrados.
O protocolo também identificou o perfil das decisões judiciais proferidas nos casos com denúncia de agressão.
Ao todo, a Defensoria Pública analisou 574 determinações proferidas nas audiências de custódia do Rio. Em 85% delas, o juiz se manifestou sobre as violações alegadas pelo réu, ainda que para dizer que o caso deve ser apreciado pelo juiz natural ou para indeferir algum pedido relacionado à apuração das agressões.
A tortura não foi levada em consideração para a concessão da liberdade ou do relaxamento da prisão. Do total analisado, 84% tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva nas audiências de custódia.
Origem das denúncias
Ainda segundo o relatório, 98% das denúncias de tortura (ou seja, 911) foram encaminhadas ao Núcleo por órgãos de atuação da própria Defensoria Pública.
O restante dos relatos foi enviado por instituições como o Disque Direitos Humanos.
Para Fábio Amado, 'falta uma conscientização sobre o problema'.
"A Defensoria Pública pretende se reunir com os secretários das Polícias Militar, Civil e de Administração Penitenciária para apresentar os dados de forma minuciosa e cooperar na construção de fluxos eficientes para prevenir e combater esses desvios dentro do sistema de segurança e de Justiça", destaca o defensor.
COM A PALAVRA, O GOVERNO DO ESTADO
A reportagem fez contato com a Assessoria de Imprensa do Governo do Rio. O espaço está aberto para manifestação.