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Democracia e votação eletrônica ganham com voto impresso

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Por Marcos Camargo
Atualização:
Marcos Camargo. FOTO: DIVULGAÇÃO/APCF Foto: Estadão

O julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o trecho da minirreforma eleitoral de 2015 que determinou a complementação da urna eletrônica com um componente impresso reacendeu o debate sobre a segurança em nossas eleições. O tribunal ainda deve retomar o tema para tratar do mérito da ação e, por isso, cabe aprofundar os argumentos técnicos que cercam o tema.

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Muitos grupos políticos têm militado, nos últimos anos, em favor do abandono do modelo eletrônico e da volta do sistema manual de votação e apuração. O argumento seria que a forma digital não daria a segurança e a transparência necessária para os pleitos.

A análise técnica da situação, no entanto, mostra que o caso não é esse. Não existe nenhum indício de que tenha havido alguma falha nas urnas eletrônicas capaz de prejudicar o resultado das votações ou de que tenha havido alguma fraude motivada pelo sistema digital.

O que existe, do ponto de vista técnico-científico, é a necessidade de nunca "baixar a guarda". Isso pede, entre outras medidas, o constante aprimoramento dos equipamentos e dos métodos de auditoria.

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) representa a carreira da Polícia Federal que tem participado dos testes públicos a que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) submete a urna eletrônica.

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A APCF entrou na ação julgada pelo STF como amicus curiae por entender que a complementação do sistema eletrônico com um componente analógico é medida necessária e urgente para aprimorar o sistema e garantir que a democracia esteja blindada contra eventuais tentativas de fraude.

Todo sistema unicamente eletrônico está sujeito a falhas. A incorporação de um componente analógico de auditoria aumenta de forma substancial sua segurança. Essa é uma constatação prática que orienta a segurança da informação no mundo todo.

A forma como a lei foi feita pelo Congresso Nacional também assegura a preservação do sigilo do voto. Após a conclusão da votação na urna eletrônica, é impresso um comprovante para o eleitor conferir se o sistema registrou seu voto corretamente. Ele lê o comprovante através de um visor, ainda na cabine secreta, sem ter a possibilidade de tocar ou levar o papel consigo. Se o voto estiver correto, aperta-se outro botão e o comprovante entra na urna. Se estiver errado, o voto é registrado como cancelado e repete-se a votação.

Testes públicos

As urnas eletrônicas trouxeram importantes avanços para o processo eleitoral, como celeridade e praticidade. Também eliminaram riscos importantes de fraude que existiam na votação com cédula e na apuração manual.

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Apesar dessas inúmeras qualidades, os próprios testes públicos realizados pelo TSE mostram que o modelo digital não é infalível. Admitir isso, com base em constatações científicas, não diminui a importância da evolução positiva implementada pelas diferentes gestões da Justiça Eleitoral nos últimos anos. Muito pelo contrário: admitir essa falibilidade significa caminhar na direção dos aperfeiçoamentos naturais e necessários em busca da constante melhoria do processo eleitoral e da manutenção do nosso Estado Democrático de Direito.

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Já houve quatro edições do teste público (2009, 2012, 2016 e 2017). Em todas elas, profissionais altamente qualificados trabalharam com o objetivo de encontrar brechas no sistema e, de fato, encontraram. É preciso reforçar que isso não significa que houve alguma falha nos pleitos passados, não existe, de fato, indício de que isso tenha acontecido. Além disso, os testes ajudaram o TSE a adotar inovações que tornaram a votação ainda mais segura. Os resultados mostram, por outro lado, que existe a possibilidade de o Brasil ter problemas de violação do sistema de votação nas eleições futuras. É necessário, portanto, mitigá-los.

No teste público de 2009, a equipe vencedora de Sergio Freitas da Silva usou um receptor de rádio e conseguiu captar as emanações eletromagnéticas do teclado da urna. Com base nisso, o TSE adotou uma mudança no sistema e passou a blindar o teclado e suas conexões.

Em 2012, a equipe do professor Diego Aranha conseguiu recuperar a ordem dos votos no Registro Digital de Voto. Por isso, o TSE corrigiu a rotina de embaralhamento dos votos.

Em 2016, a equipe de Sergio Freitas da Silva descobriu o cálculo do código verificador do boletim de urna e gerou um boletim falso. Foi então que o TSE mudou a forma de cálculo e aumentou o tamanho do campo verificador.

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No teste público de 2017, o professor Diego Aranha encontrou a chave de criptografia do sistema de arquivos e também as bibliotecas não assinadas e ainda conseguiu fazer alterações não autorizadas no software da urna. O TSE, por causa desse resultado do teste, alterou o procedimento para assinar todas as bibliotecas e retirar de forma automática as chaves de criptografia do código.

Também em 2017, a equipe da Polícia Federal contornou a proteção de inicialização do cartão em computadores PC, por meio da cópia de um setor de inicialização padrão no cartão. A equipe da PF também conseguiu inicializar o cartão de carga num PC virtual e encontrou a chave de criptografia do sistema de arquivos por intermédio de extração da memória volátil (RAM). Para corrigir o problema, o TSE incluiu proteções para alterar o setor de inicialização e passou a derivar a chave de criptografia de parâmetros presente em componente físico da urna (BIOS).

Soluções

A adoção do registro impresso de voto - de forma secreta e protegida, como determinou a minirreforma de 2015 - não tem o condão de substituir a urna eletrônica ou de desqualificá-la, mas sim de complementá-la, a fim de que o processo eleitoral seja cada vez mais íntegro e seguro, evitando diversos tipos de suspeitas, ainda que infundadas.

Também não se pretende, com a impressão dos comprovantes, voltar ao tempo das apurações manuais da totalidade dos votos. Há ferramentas estatísticas para isso, que possibilitam auditorias específicas e com alto grau de confiança.

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Por outro lado, as urnas eletrônicas adotadas no Brasil não permitem forma de auditoria que não seja igualmente eletrônica, o que poderia mascarar eventual fraude ou falha sistêmica que passaria, então, despercebida.

A importância do voto impresso, portanto, está justamente em representar essa forma analógica de auditoria que o sistema hoje não possui e que poderia aumentar a segurança do processo e a confiança dos eleitores.

Desta forma, impressão do voto, como aprovado pelo Congresso, forneceria aos cidadãos uma forma de auditoria inicial realizada diretamente pelo próprio eleitor, sem qualquer contato manual com o registro do voto. A credibilidade do processo eleitoral seria reforçada e, com ela, a própria democracia, que tem no sufrágio universal sem distinção sua maior demonstração. Por tais razões, possui valor intangível, não podendo ser comparável a nenhuma outra atividade cotidiana que envolva processos eletrônicos.

*Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

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