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Democracia e devido processo legislativo

Por Maria Regina Reis
Atualização:
Maria Regina Reis. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A agenda legislativa do Congresso Nacional continua tão variada quanto célere. Assuntos de impacto na vida dos brasileiros e, sobretudo, nos destinos do país, estão sendo votados sem que a sociedade tenha tempo sequer de conhecer o teor das alterações, quanto mais de entender as consequências advindas de sua aprovação. É pertinente indagarmos se, em uma democracia ou em um estado democrático de direito, leis que alteram o tratamento dispensado ao meio ambiente, à improbidade administrativa ou ao código eleitoral, dentre outras, podem ser levadas a votação em Plenário sem que haja um debate preliminar dentro da Casa Legislativa, vale dizer, sem que se cumpra o rito regimental.

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Afinal, qual é a função do processo legislativo? A resposta é muito simples: garantir ao cidadão a transparência e a correção na elaboração da lei que irá atingi-lo. A tramitação de um projeto de lei é determinada quando de sua apresentação, para que as comissões temáticas possam examiná-lo antes ou em lugar do plenário da Casa. A importância do trabalho das comissões reside no fato de que nelas é possível ouvir especialistas, a sociedade civil, assim como representantes das pessoas que sofrerão os efeitos da nova lei, o que possibilita aos parlamentares maior conhecimento do tema para que, afinal, votem a matéria.

A designação dos projetos às comissões é o que confere transparência ao processo legislativo. Por isso, a votação em Plenário é feita por último, quando então esse órgão máximo ratifica ou modifica as posições por elas tomadas. Muitas pessoas não sabem, mas vários projetos de lei sequer são encaminhados ao Plenário: ao serem aprovados pelas comissões, vão diretamente para a Casa revisora.

Não por outra razão, a Constituição determina que "O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento interno ou no ato de que resultar a sua criação" (art. 58, caput). Diante desse mandamento constitucional, a conclusão que se extrai é a de que a lei elaborada em desacordo com o regimento interno não é válida, podendo vir a ser declarada inconstitucional.

Tomemos como exemplo o projeto que modifica a Lei de Improbidade Administrativa (PL 10.887/2018, que tramitou na Câmara dos Deputados). Nesse caso foi instituída uma Comissão Especial em 30/10/2019, que não chegou a debater nem a votar o parecer apresentado pelo relator, Carlos Zarattini (PT/SP), em 21/10/2021. Esse substitutivo foi acordado pelos parlamentares internamente, sem debate público, e levado a Plenário através de requerimento de urgência, quando já se havia formado consenso sem a participação da sociedade.

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Parece legítimo que o cidadão questione a urgência de semelhante tema, quando então acordos foram selados longe dos holofotes, sem um mínimo de transparência. O mesmo agora parece suceder com o Código Eleitoral. O RICD (Regimento Interno da Câmara dos Deputados) determina a criação de comissão especial para dar parecer a projetos de código (art. 34, I). Para garantir a participação de todos os deputados, ele confere o prazo de 20 sessões para que qualquer parlamentar possa apresentar emendas, determinando ainda a nomeação de relatores-parciais além do relator geral, a fim de que todas as sugestões possam ser ouvidas. A apreciação de um código é tão séria que o RICD dispõe que os pedidos de urgência vindos do Presidente da República não se aplicam aos projetos de código. Tudo isso foi suprimido agora. O projeto do novo Código Eleitoral foi apresentado em 03/08/21, com a apresentação de requerimento de urgência no dia 17/08/21, que foi deferido no mesmo dia.

O Novo Código (PLP 112/2021) "institui as normas materiais, processuais e procedimentais destinadas a assegurar o funcionamento da democracia representativa e participativa, o pleno exercício dos direitos políticos e dos direitos dos partidos políticos." Como um projeto dessa magnitude, com 902 artigos, pode ser apreciado a toque de caixa, sem tempo para nenhuma reflexão mais profunda e sem a observância do devido processo legislativo?

É preciso termos em mente que uma democracia apenas se consolida se todos os Poderes, assim como a sociedade, agirem na mais estrita observância das leis. Esse é o significado da expressão estado democrático de direito.

Por consequência, em uma democracia, o cidadão é titular do direito de ter as leis que alteram a sua vida ou os rumos do seu país elaboradas de acordo com as normas legais previamente estabelecidas.

*Maria Regina Reis, mestre em Democracia e Governança pela Universidade de Georgetown (2015), é consultora em anticorrupção da Transparência Internacional. Bacharel em Direito pela UnB, foi consultora legislativa da Câmara dos Deputados

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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