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Demissão ou qualificação

Por Ricardo Cerqueira Leite
Atualização:
Ricardo Cerqueira Leite. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A convergência formada pela pandemia do coronavírus, crise econômica, desemprego, embates políticos acirrados no Brasil, simplesmente sufocou a agenda de festividades do último 1º de Maio, data mundial e tradicional, também conhecida como o Dia do Trabalhador. Infelizmente, não há muito o que comemorar, pois demissão, desemprego, queda de renda, são termos que se tornaram muito mais freqüentes no dia a dia de todos nós.

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No entanto, em tom otimista, eu gostaria de abordar uma solução que pode acomodar o dilema entre a sobrevivência empresarial e demissões. Vou propor a solução na forma de dilema. De um lado, demissão e de outro, a qualificação.

A Medida Provisória 936/20 trouxe algumas alternativas para impedir o desemprego em massa. Relembrando os aspectos gerais da norma, o empregador pode: a) reduzir os salários em 25%; 50% ou 75% por até 3 meses; b) pode ainda suspender os contratos de trabalho em até 60 dias. Em contrapartida, deverá conceder estabilidade aos seus empregados pelo mesmo período da redução ou suspensão.

Certamente essas alternativas aliviaram temporariamente os caixas das empresas. Porém, os períodos de redução da remuneração ou suspensão serão suficientes para aliviar o caixa da empresa, assegurar a retomada e manter empregos? Há algo mais que as empresas possam fazer antes de precisar demitir, caso as alternativas da MP 936/20 não sejam suficientes para evitar demissões?

Há uma modalidade de suspensão do contrato de trabalho que pouco espaço tem ocupado na mídia. Trata-se do disposto no artigo 476 - A da CLT, que assim dispõe: "O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta consolidação."

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Em outras palavras, o texto legal deixa claro que o empregado poderá ter o seu contrato suspenso em até 5 meses para qualificação profissional. Esta qualificação deverá ser fornecida e custeada pela empresa. Durante essa suspensão, continua a lei, o empregado não fará jus a salários, mas poderá receber ajuda compensatória facultativa, que não tem natureza salarial, ou seja, não integra a base de cálculo para as verbas previdenciárias, tampouco é base aos demais encargos trabalhistas. A empresa deverá também manter os benefícios já existentes, além de suportar os custos da qualificação.

Ademais, durante este período, conforme Artigo 2-A da Lei 7998/90, o trabalhador fará jus à bolsa de qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, até o limite do teto do seguro desemprego.

Essa modalidade de suspensão é costumeiramente definida como "lay-off" para qualificação.

Em termos práticos, a empresa deverá observar os seguintes requisitos: a) concordância formal do empregado; b) previsão em convenção ou acordo coletivo; c) além de manter os benefícios, deverá conceder estabilidade por 3 meses. O relevante, porém, é que a modalidade "lay-off para qualificação" permite à empresa manter os empregos, qualificar seu pessoal, reduzir despesas com a folha de pagamento e, ainda, assegurar uma fonte de receita ao empregado por meio do FAT - Fundo de Apoio ao Trabalhador. Vale destacar que essa suspensão poderá se estender por até 5 meses.

Nada obsta que uma empresa que já tenha optado pela aplicação da MP 936/20 resolva agora se valer da modalidade do "lay-off para qualificação", caso a retomada de sua atividade ainda não justifique força total da equipe. Também nada obsta que a empresa que não tenha adotado ou implementado a MP 936/20 resolva aplicar diretamente o "lay-off para qualificação". Todas essas alternativas visam a manter os empregos, a inteligência e a história das organizações.

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Por outro lado, não se pode perder de vista que a rescisão dos contratos de trabalho traz consigo o ônus do pagamento das verbas rescisórias. Portanto, a hipótese de manter os empregados e qualificá-los, do ponto de vista de caixa, pode ser até mais vantajosa.

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Exemplificadamente, uma empresa com 100 colaboradores, com média salarial de R$ 3.000,00, teria uma folha de aproximadamente R$ 590.000,00, ao considerar verbas previdenciárias, encargos trabalhistas e benefícios de aproximadamente 10% dos salários. Para exercício, imagine um auxílio compensatório de R$ 600,00 e o custo de qualificação de cada empregado igualmente, R$ 600,00. Como essas verbas não integram o salário, o valor da folha, já considerando os benefícios da folha, seria de R$ 178.000,00. Portanto, o "lay-off para qualificação", por um período de 5 meses, poderá trazer um benefício de até R$ 2.050.000,00 para alívio financeiro da empresa.

Também não se esqueça que o empregado poderá receber, por até 5 meses o valor correspondente ao seguro desemprego, no montante de R$1.813,03.

Portanto, a modalidade permitirá uma redução de até 30% na folha, manutenção da renda do empregado e, ainda, a qualificação profissional. Cabe destacar o efeito positivo ao empregado que manteve seu emprego e foi qualificado. A demissão poderá trazer consigo uma carga muito grande de frustração, enquanto que a qualificação amplia a mente e os horizontes daquele que a recebe.

É certo que neste momento gravíssimo e de conjunção de tantos fatores, demissões vão continuar a ocorrer. No entanto, trago para análise e consideração outra hipótese: a qualificação.

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Demissão ou qualificação, o que escolher? Certamente vale a pena explorar a hipótese da qualificação. A crise vai passar e a retomada do crescimento vai depender muito da força da equipe e de sua qualificação. Um grupo que se uniu na dificuldade e se qualificou poderá ter vantagens competitivas e conseguir se recuperar muito mais rapidamente.

Fica a ponderação: vale a pena demitir ou é melhor qualificar?

*Ricardo Cerqueira Leite, sócio-fundador da Cerqueira Leite Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Direito Empresarial. Professor de Direito Comercial. Membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP

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