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Demandas societárias: dilema entre sigilo e divulgação

Por Romeu Amaral
Atualização:
Romeu Amaral. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Há tempos o mercado sinaliza a importância de as companhias abertas revelarem as demandas societárias em que estão envolvidas e que podem gerar impactos, diretos ou indiretos, sobre os acionistas.

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Recentemente, o grupo de trabalho formado por especialistas, com o apoio técnico do Comitê de Governança Corporativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no âmbito da atuação conjunta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Ministério da Economia, apresentou recomendações para ampliar a efetividade dos direitos dos acionistas de companhias abertas e a transparência das informações sobre conflitos societários.

O estudo apontou que a confidencialidade da arbitragem é uma das barreiras que impedem o mercado e os acionistas de terem acesso às questões postas em discussão no procedimento arbitral. A falta de informação pode dificultar a tomada de decisão do investidor sobre o ativo, prejudicando um dos pilares do mercado de capitais, que é a ampla divulgação de informações relevantes. A confidencialidade da arbitragem causa assimetria informacional e reduz a eficiência do mercado de capitais.

A conclusão do estudo é no sentido de que, se a disputa societária tem impacto na esfera de interesses dos acionistas e investidores, o mercado deve ter acesso às informações e documentos relacionados ao litígio. Por outro lado, quando não houver tal impacto, os diretores da companhia, no âmbito do seu dever de informar, deverão avaliar se a disputa é um fato relevante e, portanto, objeto de divulgação, ou não.

Seguindo as recomendações do referido estudo, a CVM colocou em audiência pública uma proposta de alteração da Instrução CVM nº 480, mediante a inclusão de um novo inciso XLIV ao art. 30 da referida Instrução, criando, portanto, a obrigação de divulgação de comunicação sobre certas demandas societárias.

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A demanda societária é todo processo judicial ou arbitral relativo à matéria prevista em legislação societária ou do mercado de valores mobiliários, inclusive nas normas editadas pela CVM, na qual a companhia, seus acionistas controladores ou seus administradores figurem como partes.

Além disso, para qualificar-se como informação relevante, a demanda societária deve envolver direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, bem como os efeitos da decisão que vier a ser proferida na demanda societária podem se projetar sobre a esfera jurídica da companhia ou de outros titulares de valores mobiliários de sua emissão (acionistas, debenturistas, titulares de bônus de subscrição, notas comerciais etc.).

Questão interessante é o aparente conflito entre a proposta da CVM e os regulamentos das Câmaras Arbitrais, os quais preveem a confidencialidade do procedimento arbitral. Na justificativa da proposta, a CVM manifestou seu entendimento no sentido da inadequação da previsão de sigilo contida nos regulamentos dos centros de arbitragem, especialmente nos casos que envolvam companhias abertas, sujeitas à fiscalização e regulação da CVM.

A proposta de alteração da IN/CVM 480 estabelece o dever de divulgar ao mercado as informações relevantes da demanda, entre elas, a notícia sobre a instauração do processo judicial ou arbitral, eventuais decisões provisórias e resultado de julgamento de mérito em qualquer instância, no caso de processo judicial, e decisões provisórias, decisão sobre jurisdição dos árbitros, decisões sobre impugnação de árbitros e resultado de sentenças de mérito, no caso de arbitragem. Ademais, a companhia deve divulgar qualquer proposta de acordo ou qualquer acordo celebrado no curso da demanda societária.

Tal dever se estende aos acionistas controladores e administradores que forem parte em demandas societárias, caso a companhia não participe, os quais devem fornecer as informações necessárias ao diretor de relações com investidores para que este possa divulgá-las ao mercado, conforme previsto na norma proposta.

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Caso a proposta seja aprovada pelo Colegiado da CVM, as companhias passarão a ter o dever de divulgar as informações sobre demandas societárias. Para as demandas existentes, haverá enorme debate sobre a eventual violação do dever de sigilo constante em regulamento de câmara arbitral, posto que a parte (companhia, acionista controlador ou administrador), ao firmar o termo de arbitragem, declara ter ciência das regras da câmara e obriga-se a cumpri-las.

*Romeu Amaral é sócio do escritório Amaral Lewandowski Advogados, advogado e professor de Direito Societário e Mercado de Capitais

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