Além da apuração sobre possíveis ilegalidades na comercialização do medicamento EPO, proibido pela Wada (Agência Mundial Antidoping), surgiu uma discussão acerca da utilização do instituto no desporto, bem como sobre a proteção de bens ou interesses patrimoniais e econômicos vinculados com doping esportivo.
Em linhas gerais, atualmente a colaboração premiada, segundo a legislação brasileira, possibilita a concessão de perdão judicial, na redução em até 2/3 da pena privativa de liberdade ou na sua substituição por uma pena restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha específicos e delimitados resultados, expressos na Lei n. 12.850/2013.
A utilização analógica do mecanismo na seara esportiva, em princípio, é visto com bons olhos, desde que a finalidade se converta na descoberta de meios que impeçam a reprodução de ilícitos que vem sendo praticados na esfera penal, e que resultaram em reiteradas sanções no âmbito desportivo. No entanto, vale uma reflexão sobre o tema em relação às infrações e punições resultantes do doping propriamente dito, e a tenuidade entre os efeitos disciplinares e criminais.
Por integrar as relações humanas e a vida em sociedade, o esporte despertou uma relação interdisciplinar com o Direito Penal. Nesse sentido que surge a importância do doping esportivo, especialmente sobre a questão da necessidade ou não de intervenção penal para o seu combate.
Os legisladores de alguns países europeus, na intervenção protetiva de apenas bens jurídicos relevantes, elegeram como bem jurídico protegido a saúde dos esportistas. Na Alemanha, uma conduta danosa para a saúde não é objeto de ameaça penal, seja para esportistas, seja para terceiros. Já no sistema espanhol existe previsão de um tipo penal de doping esportivo, sendo que o objeto de tutela penal também é a saúde do esportista. A punição, em tese, é restrita aos terceiros, o que também ocorre na lei italiana, no entanto, a imputação objetiva na Itália apresenta uma temática de difícil aplicabilidade pela abstração da norma.
Por esta ótica, a incidência penal de uma futura incriminação do doping no Brasil é pouco provável. Não se admitindo o doping como um delito econômico, tornaria desnecessária a incidência penal. Já a redução de penas disciplinares mediante auxílio de atletas na esfera criminal demonstra-se ser muito bem-vinda.
Desta forma, numa tutela à funcionalidade do esporte e livre de qualquer discussão, deveria punir qualquer prática de doping e seus responsáveis apenas na esfera desportiva, com exceção dos ilícitos tipificados pelo Código Penal em vigor, como é o caso a ser apurado da instauração do inquérito policial em comento.
*Leonardo Neri Candido de Azevedo é advogado e coordenador da área de Direito Desportivo, do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados