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Delação é complemento à prova material

Por Marcos Camargo
Atualização:
Marcos Camargo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os novos acontecimentos que giram em torno da delação premiada de Antônio Palocci trazem, mais uma vez, o debate sobre a real inserção do conhecimento científico no processo penal. Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão de investigações importantes e até a anulação de provas apreendidas após tomar conhecimento de um relatório, produzido pelo condutor da investigação no âmbito da Polícia Federal, que afirma não haver comprovação material a respeito de declarações prestadas pelo ex-ministro em sua colaboração referente a investigados pela Operação Lava Jato.

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Tal situação, inevitavelmente, leva à seguinte avaliação: ou o conteúdo da delação carecia de sustentação probatória por inexistir o crime nela noticiado ou houve falha no processo de investigação, que não conseguiu demonstrar o fato criminoso. Em qualquer dessas hipóteses, não há dúvidas de que prejuízos são gerados. A homologação, nessas condições, levará à condenação de inocentes ou à absolvição de culpados.

É evidente que a colaboração premiada trouxe importantes avanços para a justiça criminal brasileira. Esse instrumento está presente em importantes leis -como a de Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90), a de Lavagem de Dinheiro (Lei n° 9.613/98) e a das Organizações Criminosas (Lei n°12.850/13). Não obstante isso, ainda parece haver uma concepção deturpada em relação a seu emprego, notadamente quanto ao papel que as provas científicas devem possuir nesse processo.

Colaboração premiada e perícia criminal precisam ser complementares, jamais concorrentes. O trabalho dos peritos criminais tem por objetivo dar as bases para o processo penal com elementos objetivos e robustez científica. Deve, portanto, além de complementar as informações prestadas no processo de colaboração premiada, a fim de comprová-las ou não, prover subsídios para que venha a ser mais eficiente.

Quando se emprega única ou majoritariamente os depoimentos dos envolvidos, desprezando-se a prova pericial, assume-se o risco de que os elementos apresentados não se sustentem no decorrer do processo, comprometendo a adequada compreensão de um possível fato criminoso. Disso, decorrem inúmeros prejuízos, como o desperdício de todo o empenho e horas trabalhadas pelas autoridades envolvidas no caso e a perda da oportunidade de aplicar a lei com rigor e de forma justa, o que pode levar à absolvição de culpados e à condenação de inocentes, trazendo riscos inaceitáveis para o Estado de Direito. O tempo da investigação deve ser moderado pela análise científica e não o contrário, como muitas vezes acontece. Eventual priorização da colaboração premiada em detrimento da análise científica levada a efeito por peritos criminais é, portanto, motivo de grande preocupação.

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Mandamento essencial e indispensável ao processo penal, consolidado pelo artigo 158 do Código de Processo Penal, proteger a produção de provas periciais, obtidas com o necessário distanciamento da acusação e da defesa, é imprescindível. É justamente a partir dos elementos analisados com base científica que se torna possível afastar dúvidas relacionadas às partes envolvidas. Assim, a homologação de delações premiadas, independente de quem as venha a fazer, deveria ser sempre sustentada por provas científicas produzidas pela perícia oficial de natureza criminal, conforme a legislação. Qualquer flexibilização que objetive relativizar a prova científica deve ser combatida, sob pena de grave risco ao sistema penal e à própria ordem Constitucional.

*Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

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