Mas e daí? Perguntado de forma mais elegante: ainda que a motivação seja dar um "refresco a corruptos", o que muda juridicamente?
Pensamos que nada. O poder de graça é uma prerrogativa do presidente que só encontra limites na própria Constituição Federal, a exemplo de sua vedação para os crimes hediondos e assemelhados.
Mas ainda que assim não fosse e pudéssemos imaginar um controle pelo Judiciário da conveniência dessa regra do indulto, entendemos que a resposta seria bem semelhante.
É razoável perdoar alguém que cumpriu um quinto da pena? É possível que sim.
A execução da pena privativa de liberdade tem --e poucos se dão conta disso-- determinação legal: é aquele cumprida em celas com ao menos 6m2 por preso, com boas condições de aeração e higiene, em que há o direito a trabalhar, à saúde, à educação etc. O que for diferente disso é pior do que pena. É outra coisa com rótulo de pena.
E não somos (apenas) nós a dizê-lo: o STF já reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional; o ministro Barroso, em caso em que se discutia indenização a preso por excesso em execução, lançou a pergunta se a réus ainda presos a solução não seria um redutor do tempo a ser cumprida. Para réus primários que não cometeram crimes violentos o redutor de 5:1 pode ser (e nos parecer ser) bastante razoável.
Além disso, cumpre indagar o impacto dessa norma no sistema prisional: os três crimes que mais levam pessoas à prisão, somando 60% da população carcerária, não se beneficiariam das regras do último decreto: tráfico, roubo e homicídio. Já os cerca de 12% de furtadores, 8% que foram enquadrados na lei do desarmamento e 4% de receptadores, sim.
São, porém, delitos que recomendariam, desde o início da execução, regime inicial de cumprimento no semi-aberto ou mesmo aberto; no primeiro caso, seriam elegíveis a progressão para o aberto com um sexto da pena. No caso de São Paulo, onde não há estabelecimentos para cumprimento de regime aberto, fariam jus a aberto domiciliar.
A discrepância desse quadro com o indulto é bem singela. Indulto, aliás, nesse momento suspenso por decisão liminar da Ministra Cármen Lúcia --decisão que, ao nosso ver, apresenta uma discutível motivação (violação ao princípio da vedação da proteção insuficiente), pois fundada em uma hipótese empiricamente inverificável que é a da eficácia preventiva do Direito Penal.
Também não assusta o argumento ad terrorem do efeito dessa norma nos acordos de colaboração: primeiro, porque seria trocar o certo (acordo) pelo duvidoso (como será a regra de indulto daqui um incerto número de anos); segundo, porque os acordos que vieram a público sinalizam que o tempo em regime fechado diferenciado (domiciliar) acabam sendo menor do que um sexto da pena possível.
Em resumo: deixem o indulto em paz. Primeiro, porque não colide com a Constituição e as instituições hão de valer alguma coisa na puída república brasileira; depois porque os justamente beneficiados por essa política são muito mais expressivos do que uma ínfima quantidade de condenados por corrupção eventualmente agraciados. Davi Tangerino, advogado e provessor da FGV/SP e da UERJ Salo de Carvalho, advogado e professor da UFRJ