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Decisão recente do Cade chama a atenção para a formação de consórcios e outras formas de parcerias no âmbito de licitações

Por Ana Paula Paschoalini , Luisa Marcelino Bono e Vitor Jardim Barbosa
Atualização:
Ana Paula Paschoalini, Luisa Marcelino Bono e Vitor Jardim Barbosa. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em 12.5.2022, o Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica ("CADE") voltou a analisar a constituição de um consórcio no setor de telecomunicações para participar de licitação pública e concluiu pela condenação das empresas consorciadas. Esse caso começou a ser julgado pelo CADE em fevereiro e, na última quarta-feira, resultou em uma decisão unânime pela condenação das três empresas investigadas.

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A formação de consórcios e parcerias no âmbito de licitações também motivou recentemente a instauração de, pelo menos, duas outras investigações pelo CADE, o que chama a atenção para a importância de se avaliar cuidadosamente em que circunstâncias acordos dessa natureza podem ser incompatíveis com a legislação de defesa da concorrência.

Nesse ponto, é preciso ter em mente que mesmo o exercício de prerrogativas legítimas e autorizadas por lei, como é o caso da constituição de consórcio para licitações[1], poderá configurar abuso de poder econômico e constituir prática anticompetitiva, se tiver por objeto - ou o potencial de - limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre-iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; e exercer de forma abusiva posição dominante (art. 36, caput, da Lei n.º 12.529/2011).

Um outro ponto a ser considerado, ainda que específico para o caso de parcerias em licitações públicas, é o seguinte: a previsão em lei[2] de que joint-ventures, consórcios ou contratos associativos para participar de licitações públicas estão isentos da necessidade de aprovação prévia pelo CADE não significa imunidade antitruste. Em outras palavras, a desnecessidade de notificação prévia ao CADE não impede que a autoridade antitruste brasileira determine a investigação a posteriori de parcerias dessa natureza, caso haja indícios de prática anticompetitiva.

Isso posto, ainda que os efeitos possam ser análogos aos de um cartel, o padrão de prova exigido em caso de abuso de poder econômico por empresas que constituam consórcio é mais rigoroso, sendo necessário demonstrar, a partir das circunstâncias específicas de cada caso, que:

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  • as empresas consorciadas detêm poder de mercado suficiente para que a aliança entre elas possa distorcer a concorrência;
  • o consórcio tem por objeto ou o potencial de eliminar a concorrência no processo licitatório ou ainda de criar dificuldades à participação de outras empresas no certame; e
  • não há justificativa econômica legítima para a constituição do consórcio.

No caso analisado pelo CADE na última quarta-feira, a Conselheira-Relatora (Paula Farani de Azevedo), acompanhando os pareceres do Ministério Público Federal ("MPF"), da Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE ("ProCADE") e da SG-CADE, concluiu que a aliança entre as três principais empresas de telecomunicações no Brasil para participar de licitações no setor constituiria prática anticompetitiva, por se tratar de uma associação entre "as maiores e mais capilarizadas fornecedoras de serviços de telecomunicações do Brasil, com fortes incentivos para utilizar seu elevadíssimo poder econômico tanto para pressionar o valor pago" pela entidade licitante "para cima quanto para discriminar eventuais concorrentes que precisassem se utilizar de sua rede".

Além disso, a Relatora concluiu que as empresas investigadas não foram capazes de demonstrar que a constituição do consórcio se justificaria pela complementariedade de atuação das três empresas e pela incapacidade de cada uma delas atender, de forma individual, à demanda da entidade licitante. Nas próprias palavras da Relatora, essas seriam as únicas "duas justificativas para a atuação em consórcio".

Em seu voto, a ex-Conselheira Paula Farani também rejeita o argumento de que o consórcio teria possibilitado a redução do preço de referência no certame e, por consequência, em benefícios à entidade licitante, sendo que "a condenação por infração concorrencial prescinde da demonstração de dano, bastando a identificação de um risco concorrencial elevado associado à prática submetida à análise da autoridade concorrencial."

Após a Relatora ter proferido o seu voto, na sessão de julgamento do dia 09.02.2022, o Presidente do CADE pediu vista do caso e o julgamento acabou sendo suspenso até a última semana. Na quarta-feira, todos os demais Conselheiros do CADE proferiram seus votos, acompanhando, no mérito, o voto da Relatora[3] e determinando a condenação das três empresas investigadas.

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De acordo com o Presidente do CADE, agentes econômicos relevantes em seus mercados de atuação devem ter prudência na formação de consórcios, evitando a criação de cenários em que players menos representativos sejam incapazes de competir.

A orientação adotada pelo CADE nesse caso demonstra a importância da adoção de cuidados concorrenciais na formação de consórcios ou na estruturação de outras formas de parceria no contexto de licitações - sejam elas públicas ou não. Entre esses cuidados, está a necessidade de avaliar se:

  • as empresas que pretendem se unir têm condições econômico-financeiras e técnicas de atender o objeto do certame de forma independente e autônoma;

  • as empresas detêm poder de mercado suficiente para que a união entre elas possa impactar a concorrência;

  • as empresas são concorrentes ou com atividades em mercados verticalmente relacionados, sendo uma delas detentora de insumo essencial para o atendimento do objeto do certame.

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A depender das respostas aos itens acima, é preciso investigar e documentar, com cuidado, a existência de eficiências econômicas que não possam ser alcançadas de forma menos onerosa à concorrência e que possam ser repassadas aos consumidores em termos de melhores preços, qualidade ou condições de entrega.

Além disso, em caso de consórcio ou associação entre empresas concorrentes, passa a ser de fundamental importância a criação de mecanismos e regras que impeçam a troca entre elas de informações concorrencialmente sensíveis sobre outros projetos ou clientes.

*Ana Paula Paschoalini, advogada especialista em Direito Concorrencial e Antitruste do Stocche Forbes Advogados

*Luisa Marcelino Bono, advogada especialista em Direito Concorrencial e Antitruste do Stocche Forbes Advogados

*Vitor Jardim Barbosa, advogado especialista em Direito Concorrencial e Antitruste do Stocche Forbes Advogados

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[1] Conforme art. 15 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, e art. 33 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

[2] Conforme art. 90, Parágrafo único, da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.

[3] Embora tenham concordado no mérito, houve uma divergência entre o voto da Conselheira-Relatora e do Presidente do CADE acerca da dosimetria da pena e do valor final da multa a ser aplicada às três empresas condenadas. Ao final, o entendimento da Conselheira-Relatora prevaleceu, sendo a multa fixada de acordo com os critérios por ela definidos em seu voto para estimar a vantagem auferida com a prática condenada.

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