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Decisão inédita do STJ determina que créditos fiscais não tributários não se sujeitam à recuperação judicial

Por Renata Oliveira e Giovanna Luz Podcameni
Atualização:
Renata Oliveira e Giovanna Luz Podcameni. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em decisão inédita, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) parece ter resolvido a polêmica sobre a sujeição ou não dos créditos fiscais não tributários ao regime da recuperação judicial, decidindo de maneira inédita que a natureza tributária ou não tributária do crédito fiscal é irrelevante para fins de sujeição à recuperação judicial, bastando que tal crédito seja público e cobrado via execução fiscal.

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Esta decisão unânime foi proferida no âmbito do recurso especial nº 1.931.633 - GO, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, em que se discutia a sujeição (ou não) de crédito de titularidade da Anvisa decorrente de multas administrativas. Esses créditos, embora não tributários nos termos do art. 39, § 2º, da Lei 4.320/64, podem ser inscritos em dívida ativa e cobrados via execução fiscal, tal como os créditos tributários.

Não obstante a diferença da natureza do crédito, o STJ entendeu que o crédito da Anvisa não se sujeita à recuperação judicial, uma vez que o art. 187 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que a cobrança do crédito tributário não se sujeita à recuperação judicial e que "não se pode extrair de seu conteúdo normativo que aqueles de natureza não tributária devam trilhar caminho diverso."

Além disto, o acórdão também pontuou que o art. 6º, §7º-B da Lei nº 11.101/2005 (LRF) prevê que as execuções fiscais não se suspendem com o pedido de recuperação judicial, sem distinção entre os créditos tributários e os não tributários e prevendo o mecanismo mesmo processual disponível a todos os entes federados (diretos ou indiretos) - isto é, a execução fiscal para cobrança do crédito passível de inscrição em dívida ativa.

Por fim, o acórdão consigna que o art. 5º da Lei 6830/80 fixa a competência absoluta do juízo da execução fiscal para processar e julgar a execução da dívida ativa da Fazenda Pública, o que inclui dívidas ativas decorrentes de créditos tributário e não tributários, e que o art. 29 da referida lei estabelece que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não é sujeita ao concurso de credores.

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A decisão é inovadora uma vez que, não só é a primeira vez que um colegiado do STJ aprecia a fundo a questão da sujeição dos créditos fiscais não tributários, como também diverge do acontecido em outras recuperações judiciais de concessionárias de serviços públicos (casos do Grupo Viracopos e do Grupo OI)No caso OI, tanto o juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital/RJ quanto o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afastaram os argumentos da agência reguladora, entendendo, em suma, que (i) os crédito públicos, embora não tenham a mesma liberdade de negociação que os crédito privados,  não são todos impassíveis de negociação, existindo diversas disposições legais que expressamente admitem a realização de acordos por parte de entidades de direito público, inclusive autarquias,  (ii)  o sentido da não suspensão das execuções fiscais está limitado à cobrança de tributo e (iii) apenas o crédito de natureza tributária não está sujeito à recuperação judicial.

Embora a Anatel tenha recorrido do entendimento do TJRJ, até o presente momento, o mérito de seus recursos não chegou a ser apreciado, e, com a edição da Lei nº13.988/2020 (que trata dos requisitos e condições para que a União, autarquias e fundações e os devedores realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da fazenda pública, de natureza tributária ou não), o seu crédito acabou sendo objeto de transação no âmbito do aditivo ao plano de recuperação judicial do Grupo Oi, aprovado pelos credores - inclusive pela própria Anatel - em 8.9.2020.

Na recuperação judicial do Grupo Viracopos, o crédito de titularidade da Anac referente a outorgas atrasadas e multas por descumprimento de contratos de concessão foi listado como valor ilíquido. Embora a Anac tenha recorrido da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, alegando que seu crédito não estaria sujeito, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento ao recurso sob o fundamento de que não seria este o momento oportuno para deliberar sobre a sujeição ou não do crédito público. Ao final, o crédito da ANAC acabou sendo objeto de acordo entre as partes e enquadrado em classe diferenciada, exclusiva para créditos decorrentes do contrato de concessão. Relevante pontuar que, apesar de não ser utilizada a expressão "quirografário" no acordo entabulado entre Anac e o Grupo Viracopos, essa foi a classificação do crédito da autarquia no quadro de credores inicial - sendo também interessante observar que o crédito será pago prioritariamente por compensação de valores eventualmente considerados devidos a Viracopos em arbitragem a ser instaurada entre as partes para serem debatidos tanto descumprimentos do contrato de concessão pelas duas entidades como pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro.

A decisão do STJ está em consonância com o entendimento da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital/SP na recuperação judicial do Grupo Libra, em que um dos credores era a Companhia Docas Estado São Paulo (Codesp), uma sociedade de economia mista vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República. O crédito da Codesp decorria de contratos de arrendamento de terminais portuários, portanto público e podendo ser inscrito em dívida ativa (não tributária) e cobrado por meio de execução fiscal. Por conta dessas características, o juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo determinou justamente que o crédito goza dos mesmos privilégios dos créditos tributários de modo a não se sujeitar à recuperação judicial[1].

Embora não tenha concordado com a decisão, a devedora original da Codesp, a Libra Terminal Santos S.A., desistiu do pedido de recuperação judicial, de maneira que a discussão sobre a sujeição do crédito da Codesp não teve novos desdobramentos.

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Ainda que atualmente sejam poucos os casos notórios de recuperação judicial envolvendo créditos fiscais não tributários, a decisão do STJ certamente tem relevância e espera-se que ela não sirva como entrave para que tais créditos possam ser negociados nos termos da Lei nº13.988/2020.

*Renata Oliveira e Giovanna Luz Podcameni são, respectivamente, sócia e advogada do Machado Meyer Advogados

[1] Importante ter em mente que neste caso, não obstante a fundamentação sobre o caráter público do crédito da CODESP, a discussão envolvia crédito decorrente de contrato público, firmado com base na Lei n 8.666/1993 (que trata de licitações e contratos com a Administração Público).

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