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Decisão do STF em relação à ADI 4.980, um alívio para os contribuintes

Por Gisele Bossa , Priscila Faricelli e Fabyola En Rodrigues
Atualização:
Gisele Bossa, Priscila Faricelli e Fabyola En Rodrigues. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Ao julgar a ADI (Ação Direta de Constitucionalidade) 4.980, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a abertura de processo por crime decorrente de exigências de débitos previdenciários, por parte do Ministério Público Federal (MPF), antes que se tenha uma decisão administrativa definitiva do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), para confirmar, de fato, a existência de dívida e potencial ocorrência de ilícito fiscal.

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A decisão do plenário do Supremo, por 8 votos a 1[1], aconteceu nesta quinta-feira, 10 de março, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 4.980, ajuizada em 2013 pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

O objetivo da PGR era declarar inconstitucional o artigo 83 da Lei 9.430/1996, alterado pela Lei 12.350/2010, que prevê que o MPF somente inicie as investigações e os processos de eventual crime contra a ordem tributária, após decisão definitiva na esfera administrativa fiscal.

Sob a perspectiva técnica, o posicionamento dos ministros do STF é relevante no sentido de valorizar a atuação do CARF e a importância dos órgãos de julgamento administrativos para o adequado exercício do direito de defesa dos contribuintes.

Os votos dos ministros foram claros ao registrar a necessidade de se aguardar o término do processo administrativo fiscal para, só então, iniciar a efetiva investigação e ação penal, sob pena de se movimentar de forma inadequada a máquina estatal em diversos níveis.

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Chamou ainda a atenção dos ministros o fato de (i) reiteradas decisões administrativas afastarem a exigência de multa qualificada no percentual de 150% em virtude da verificação, por parte da autoridade fiscal, de inocorrência de crime contra a ordem tributária - cerca de 75% dos casos conhecidos julgados pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) foram favoráveis ao afastamento da penalidade no ano de 2021[2]; (ii) haver uma possível enxurrada de ações judiciais envolvendo essa temática, seja mandados de segurança impetrados na tentativa de impedir o início da investigação criminal, seja a apresentação de habeas corpus ou a provocação do Estado por crime de excesso de exação (exigência de tributo que o agente público sabe ser indevido); (iii) ser ilegal exigir tributo mediante a instauração precoce de processo crime (artigo 3º, do CTN).

Outro ponto interessante foi que os ministros confirmaram que o artigo 83 da Lei 9.430/96, com a alteração promovida pela Lei 12.350/10, não tem vício de inconstitucionalidade formal ou material, não colocando restrições quanto à natureza e materialidade do crime de apropriação indébita previdenciária, vez que imprescindível a constituição definitiva do crédito tributária antes de ser acionada a "faceta punitiva do Estado", nas palavras do relator o ministro Nunes Marques.

Ficou claro ainda no julgamento a divergência de entendimentos entre os ministros quanto à classificação doutrinária do crime de apropriação indébita previdenciária como formal ou material.

O ministro Alexandre de Morais, por exemplo, julgou procedente o pedido subsidiário da PGR para conceder interpretação conforme a Constituição a esse dispositivo, no sentido de afastar, para o artigo 168-A, classificado como "crime formal" (não se exige o resultado), a necessidade de prévio de esgotamento da discussão na esfera administrativa tributária para o encaminhamento da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público Federal.

O ministro Luiz Fux, por sua vez, reforçou que os crimes contra a ordem tributária são materiais, e que a apropriação indébita previdenciária não foge à regra. Já para o ministro Edson Fachin, o crime de apropriação indébita é um "crime omissivo material".

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O STF manteve a lista de decisões anteriores ao preservar os valores inegociáveis como o exercício do direito de defesa, autonomia dos poderes e a presunção de inocência.

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Também entendemos que seria preocupante condicionar a aplicação do artigo 83 da Lei 9.430/96 a uma classificação doutrinária (crime formal/material) que sequer é consolidada entre os ministros.

Diante desse cenário, o balanço foi extremamente positivo e coerente em prol da preservação dos direitos dos contribuintes e a decisão materializa importante precedente do STF que cuida de "brecar" real tentativa de existir uma coerção ao pagamento de tributos a partir de uma prematura instauração de ação penal.

*Gisele Bossa, professora, mestre e doutoranda em Ciências Jurídicos-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, é sócia da área tributária do Demarest Advogados. Membro do Núcleo de Pesquisa de Tributação e Novas Tecnologias do Mestrado Profissional da FGV Direito SP

*Priscila Faricelli, mestre em Direito pela Universidade de São Paulo, é sócia da área tributária do Demarest Advogados

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*Fabyola En Rodrigues, doutora em Direito Criminal Empresarial e mestre em Direito Criminal pela PUC-SP, é sócia das áreas Penal Empresarial e de Compliance e lidera o Departamento Criminal Empresarial do Demarest

[1] Relevante registrar que participaram do julgamento nove ministros, uma vez que o ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito e o ministro Dias Toffoli estava ausente.

[2] MENGARDO, Bárbara; GRAÇA, Ana Beatriz. Câmara Superior do Carf derrubou a maioria das multas qualificadas em 2021. JOTA. http://jota.info/, 21/02/2022. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/carf-camara-superior-derrubou-maioria-multas-qualificadas-2021-21022022. Acesso em 11/03/2022.

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