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Decisão do STF contra patentes 'eternas' é vitória da ciência

Extensão indevida no prazo de proteção da propriedade intelectual atrapalhava o combate à pandemia e o desenvolvimento tecnológico

Por Renata Alves e Gustavo Svensson
Atualização:

Renata Alves e Gustavo Svensson. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O Supremo Tribunal Federal acaba de escrever um importante capítulo da história da inovação científica no Brasil. Na última quarta-feira, dia 12, a corte encerrou o julgamento de uma ação que questionava a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Intelectual (LPI), o qual permitia, na prática, alongar indefinidamente a validade das patentes em território nacional. Com a decisão do STF, não só o referido artigo foi considerado inconstitucional, o que beneficiará a atividade criativa e a livre concorrência tecnológica, como também estabeleceu a regra geral de efeito retroativo as patentes de medicamentos e equipamentos de saúde, sendo nulas todas as extensões que o prejudicial dispositivo legal sustentava.

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O Supremo foi sensível aos anseios da sociedade brasileira neste momento dramático de pandemia. A inconstitucionalidade dessa norma da LPI já havia sido decidida na semana passada, por 9 votos a 2. No entanto, o entendimento da corte teria efeito retroativo, pois aplicar a regra geral de retroatividade a todos os setores poderia provocar problemas de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Pensando nisso, o ministro Dias Toffoli sugeriu modular os efeitos da decisão, permitindo que somente a produtos e processos farmacêuticos, equipamentos hospitalares e materiais de uso em saúde ganhassem caráter regressivo ante aos fatores imperiosos que são o direito à saúde e a vida, ante ao estado grave de crise sanitária provocada pela COVID-19. Seu voto foi acompanhado por outros sete ministros.

O ganho para a vida dos brasileiros é inestimável. Se, por um lado, as extensões de patentes já deferidas continuarão vigentes em quase 90% dos casos - o que afasta qualquer risco de insegurança jurídica - por outro o Brasil poderá enfim produzir medicamentos e equipamentos de saúde em maior quantidade e a um preço mais acessível, sem as restrições impostas por grupos monopolistas que, navegando pelas brechas da Lei de Propriedade Industrial, conseguiam prolongar o privilégio da exploração econômica exclusiva de seus inventos para muito além do teto constitucional de 20 anos. Não menos importante registrar de tratar-se de uma jabuticaba cuidadosamente semeada na LPI.

A atual crise sanitária justifica a urgência dada as patentes farmacêuticas. Como argumentou o próprio ministro Toffoli em seu voto, "o interesse social milita em favor da plena e imediata superação" do parágrafo único do artigo 40 da LPI no caso das proteções propriedade industrial na área de saúde. Com isso, o país fica mais bem preparado para lidar com a calamidade pública provocada pela Covid-19. Não só teremos mais recursos para tratar pacientes internados com a doença como também poderemos produzir, com agilidade, drogas e equipamentos necessários àqueles que se recuperam de sequelas da doença.

O país também ganha no longo prazo. Para além de ajudar no combate à pandemia, a decisão do Supremo estimula nosso desenvolvimento científico e tecnológico. As prorrogações intermináveis das patentes criavam um ambiente hostil à inovação, já que era impossível prever com precisão quando determinado conhecimento cairia no domínio público e poderia, com isso, ser apropriado por novos pesquisadores. Empresas também receavam investir em atividades criativas sem saber se seus produtos iriam poder competir livremente no mercado brasileiro.

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Agora, o caminho está aberto para reformular a lei brasileira de patentes, garantindo, sim, proteção aos direitos do inventor, mas estabelecendo regras mais claras para a duração do privilégio da exploração exclusiva. A corajosa decisão do STF, que contrariou interesses de poderosos oligopólios, pode ser o primeiro passo em uma jornada de fortalecimento da inovação científica no Brasil.

*Renata Alves, diretora jurídica corporativa do Grupo NC; Gustavo Svensson, diretor jurídico contencioso do Grupo NC

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