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De Prestes a Lula

Naquela manhã de março de 1936, a notícia de que Luiz Carlos Prestes tinha sido levado pela polícia para depor causou um impacto para a geração formada nos anos 1920, tempo de motins e revoltas. Quem seguia o líder tenentista e aqueles que deixaram de acompanhá-lo após a sua aproximação com os comunistas enfrentavam a mesma sensação de incômodo, quase angústia. A notícia divulgada nos primeiros vespertinos do dia levava uma parte dessa geração a pensar no futuro e a outra a mirar o passado.

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Por Leonencio Nossa
Atualização:

O Brasil do tempo de Prestes tinha estruturas arcaicas, que seriam removidas, em boa medida, ao longo do século. A história mostraria que o líder se envolveu em crimes no seu projeto político - que não eram do âmbito do patrimonialismo - e a prisão dele ocorria, naquele momento, por motivos ideológicos. Prestes não estava morto. Por muito tempo, participaria da vida brasileira.

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O que ocorreu nas primeiras horas do dia 5 daquele mês e ano - um episódio que amanhã, sábado, completa 80 anos - serve para uma reflexão justa apenas para o que ocorreu ali. A comparação histórica é, necessariamente, o uso do passado no jogo do presente. Vale, no entanto, observar que o País seguiria adiante, em meio aos eternos enfrentamentos de grupos sociais, econômicos e políticos.

Por menos de 24 horas, a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor em Congonhas, na manhã desta sexta-feira, não aconteceu na mesma data da prisão do comandante de uma coluna que percorreu o Brasil, anos antes, para denunciar as mazelas da República Velha. Seria, talvez, uma rara comparação possível. O ex-presidente que depôs na Polícia Federal vive um momento diferente até mesmo da enfrentada pelo sindicalista do ABC que, em 1980, foi preso pela ditadura militar. Uma análise a favor ou contra ele não pode ignorar a jornada antiga dos brasileiros pelo fortalecimento das instituições do Estado, especialmente a partir de 1985. O próprio Lula, no pronunciamento dado no início da tarde desta sexta, comentou, na sua defesa, a importância dos órgãos do Poder Público, ainda que numa carga de críticas.

Um país não é uma pessoa. É possível que um país seja os seus conflitos, os dramas dos cidadãos dos subúrbios, das periferias e do interior castigado e os contrastes ignorados pelo Poder Público, pelos partidos e pela opinião pública, geralmente desconsiderados nas reflexões de um governo ou uma oposição em dias conturbados. O distanciamento no tempo, instrumento que, às vezes, evita erros de análise, talvez permita avaliar que uma geração, pelo menos aquela que confiou em Prestes, cometeu erro estratégico ao acreditar que demandas históricas possam ser personalizadas.

*Leonencio Nossa é jornalista do Estadão.

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