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De desconhecida e tabu ao uso habitual: o caminho da delação premiada no Brasil

Por Beatriz Catta Preta
Atualização:
Beatriz Catta Preta. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A delação premiada não surgiu com a Operação Lava Jato, em 2014. Apenas se tornou parte do dia a dia do brasileiro, através da mídia, pela importância de sua utilização na maior investigação de combate à corrupção e lavagem de dinheiro já vista em nosso país.

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No Brasil, o surgimento da delação premiada se deu com a Lei n.º 8.072/90, que tratou dos crimes hediondos. Porém, sem nomeá-la. Havia apenas a previsão de que o investigado poderia ter a pena reduzida de um a dois terços se desse informações que possibilitassem o desmantelamento da quadrilha.

Em 1995, com a entrada em vigor da Lei n.º 9.034, que regulou a repressão e prevenção às ações praticadas por organizações criminosas, é que o ordenador jurídico voltou a mencionar a colaboração do réu.

Porém, somente com a Lei n.º 9.613/98, que tratou do combate à lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, é que veio a inovação, com a previsão de contrapartida ao réu colaborador (condenação em regime menos gravoso, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou, ainda, concessão do perdão judicial).

O instituto da delação premiada começou a ser utilizado no Brasil, de forma muito tímida, lenta e desconfiada, em grandes operações de combate à evasão de divisas e lavagem de dinheiro, denominadas "Banestado" e "Farol da Colina/Beacon Hill".

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Este meio de defesa, apesar de ter previsão legal, passou a ser severamente combatido pela maciça maioria das grandes bancas de advocacia, sendo tratado como "dedurismo ou traição".

Por longos anos, pouquíssimos profissionais brasileiros se dispuseram a defender réus que tivessem interesse em se utilizar do instituto como meio de defesa, inobstante sua grande aplicação em países desenvolvidos como Estados Unidos, Itália e Reino Unido.

Mas não só isso. Combatia-se o instituto porque, supostamente, seria ainda inseguro. Puro desconhecimento...

Fortemente combatida - tanto a colaboração quanto os pouquíssimos advogados que se dispunham a defender réus colaboradores -, a delação premiada foi de suma importância para que importantes investigações trouxessem resultados e crimes gravíssimos fossem descobertos.

O fato é que, querendo os opositores do instituto ou não, a colaboração premiada se mostrou legítima, legal e eficaz, sendo meio de defesa escolhido cada vez mais por réus em ações penais de grande porte.

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Com sua utilização na conhecida Operação Lava Jato, com as dezenas de acordos de delação homologados judicialmente e com resultados benéficos visíveis, seja para os investigadores, seja para os réus, a colaboração premiada passou a ser reconhecida, pelos mesmos que a criticavam, como meio de defesa inerente ao processo criminal, tendo sido utilizada em larga escala a partir de 2015.

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O que se viu, a partir de então, foi que os antagonistas da colaboração premiada passaram a atuar fortemente em acordos de delação, tratando-os como aquilo que sempre foram: apenas mais um dos muitos meios de defesa disponíveis, pelo qual o cliente pode optar por seguir.

Com a utilização da delação premiada o cenário penal do Brasil mudou radicalmente, trazendo uma possibilidade, até então resistente, de aproximação das partes do processo (acusação e defesa), atuando em busca de um fim comum (cada um em busca de resultados específicos), criando um cenário de consenso.

Viu-se, então, a necessidade de melhor regulamentação da delação premiada, a fim de que seu processamento ficasse totalmente previsto em lei.

Com a promulgação da Lei n.º 13.964/19, que modificou a Lei n.º 12.850/13, passou a colaboração premiada a ser detalhadamente regulamentada, o que trouxe absoluta segurança jurídica, tanto ao colaborador, quanto às autoridades que com ele assinaram o acordo.

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Após a Operação Lava Jato, a colaboração premiada passou de tabu a meio de defesa corriqueiro, muito utilizado, mesmo por aqueles que se recusavam a reconhecê-la como instituto legítimo e legal de defesa, mas agora sem máculas aos réus e seus defensores.

Claro, ainda há colegas resistentes à utilização da delação premiada como meio de defesa. Há aqueles que continuam a vê-la como "deslealdade ou traição".

Pessoalmente, continuo, porque nunca deixei de advogar, a colocar aos meus clientes a delação premiada como meio de defesa legal, eficaz, seguro e, principalmente, como um direito do investigado/réu (agora previsto em lei em todos os seus pormenores). Trata-se de uma escolha, personalíssima. E não se pode questionar alguém que escolhe uma alternativa de defesa que a própria legislação pátria lhe dá.

A alteração da legislação e a regulamentação da delação premiada eram necessárias, para que trouxessem maior segurança no momento da escolha.

O papel do advogado é expor e explicar todos os meios de defesa disponíveis e legais, caso a caso, com todos os seus ônus e consequências. A decisão será, sempre, do cliente (réu ou investigado). Não cabe julgá-lo por essa escolha. Assim como não cabe, igualmente, julgar o profissional que defende o colaborador.

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Afinal, a Constituição Federal prevê que o direito de defesa é fundamental e inerente à pessoa humana (art. 5º, LV) e, para ser exercido, é indispensável a figura do advogado para postular em nome do cidadão (art. 133).

*Beatriz Catta Preta, advogada

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