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Datas comemorativas e a representatividade para a comunidade afro-cearense

Por José Olímpio Ferreira Neto e José Soares de Sousa Neto
Atualização:
José Olímpio Ferreira Neto e José Soares de Sousa Neto. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Constituição Federal de 1988 garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais, entre eles a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais, sejam indígenas, afro-brasileiros ou outros grupos constituintes da identidade brasileira. Os critérios para a instituição de datas comemorativas estão na Lei nº 12.345/2010, que prevê, entre outros, a participação dos segmentos interessados por meio de consultas e audiências públicas, devidamente documentadas.

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O constitucionalista alemão, Peter Häberle, apresenta a tríade feriados, hinos nacionais e bandeiras como elementos da identidade cultural do Estado. A Constituição brasileira não traz dispositivo que regula os feriados. No entanto, pode-se entender que o feriado, em sentido estrito, sob a ótica jurídica, é quando não haverá trabalho ou, ainda, em sentido amplo, é quando portam valores fundamentais do Estado Constitucional. Nesse sentido, pode-se falar que as datas comemorativas trazem valores e identidades que compõem a nação brasileira.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996, em seu artigo 79 B, inclui o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, em alusão à morte de Zumbi do Quilombo dos Palmares. Trata-se de um importante reconhecimento para o movimento negro, reconhecendo uma personalidade de fortalecimento da identidade afro-brasileira, rompendo com uma tradição colonialista que valoriza apenas os brancos.

A tradição cristã não impediu que as raízes afro-brasileiras se manifestassem. O sincretismo religioso mantém viva a africanidade, em um processo de metamorfose cultural, movimento simbiótico que une opressores e oprimidos em um corpo só. Os dias sagrados envolvem divindades católicas, padroeiras e entidades afro-brasileiras. Em Fortaleza, o dia 15 de agosto é feriado em homenagem à padroeira da capital alencarina, Nossa Senhora da Assunção, desde 1995. Na mesma data também é celebrado o Dia de Iemanjá. O feriado católico, apesar de oficializado, tem a caminhada com Maria como celebração à santa, que é realizada desde 2002. Já a Festa de Iemanjá ocorre na capital desde a década de 1950.

Contrariando o texto constitucional que traz a fixação de datas comemorativas com significado para os diferentes grupos étnicos e a Lei nº 12.345/2010, foi instituído o Dia do Capoeirista, em Fortaleza, por meio da Lei Municipal nº 10.077/2013. Sem consulta pública, foi eleita a data de 3 de agosto em homenagem ao segmento. Data aleatória sem representatividade para a comunidade, repetindo outros entes brasileiros que têm essa data em seu calendário comemorativo. O Fórum da Capoeira do Ceará manifestou descontentamento com a referida data.

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Não houve um retorno significativo por parte do Poder Legislativo municipal, mas provocou um movimento político que reverberou na luta pelos Direitos Culturais, trazendo uma maior participação dos capoeiristas locais na tomada de decisões para as políticas a serem encetadas para o setor cultural e para o segmento capoeirístico.

O Dia do Capoeirista poderia incidir na Data Magna, feriado estadual desde 2011, comemorado no dia 25 de março, em alusão à libertação dos escravos em Redenção-CE. O Ceará foi o primeiro estado brasileiro a abolir a escravidão, em 1884, antes da promulgação da Lei Áurea. Para os fortalezenses, no dia 25 de março é celebrado o dia do maracatu, instituído pela Lei nº 5.927/1984. A justificativa da lei municipal deu-se também por ser o Dia da Abolição da Escravatura e pela necessidade da preservação dos costumes do povo negro da cidade, contrariando o mito de que não existe história de negros no Ceará.

Em outro giro, a Lei Municipal nº 9.041/2005, que instituiu a Semana Municipal da Capoeira, mesmo sem consulta ampla, foi inicialmente abraçada pela comunidade, pois tinha um fulcro político, no qual ações de fomento foram implementadas mesmo antes do reconhecimento da Roda de Capoeira e do Ofício dos Mestres como Patrimônio Cultural do Brasil. A Semana Municipal da Capoeira deve ser comemorada na semana em que incidir o Dia da Consciência Negra, data significativa para os capoeiristas devido à origem afro-brasileira da manifestação cultural.

O maracatu foi reconhecido como patrimônio cultural da cidade de Fortaleza por meio do Decreto nº 13.769/2016, determinando seu registro nos Livros de Registro dos Saberes, no Livro de Registro das Celebrações e no Livro dos Registros das Formas de Expressão. Em função de seu registro foi instituído o "Projeto dia 25 é dia de Maracatu" como política cultural para o maracatu por meio da Lei nº 10.771/2018.

É importante frisar que as manifestações culturais afro-brasileira existem sob as mais diversas razões. A sua razão de existir não está na busca do reconhecimento estatal. O Estado é que depois reconhece a importância do valor cultural que possuem. A comunidade ampliou sua participação política e não aceita imposições, elegem suas datas comemorativas de representatividade da identidade afro-cearense. Além disso, manifestam o seu descontentamento com ações políticas partidárias e assumem o protagonismo na cobrança de reconhecimento para a implementação de ações de fomento que valorizem e fortaleçam a identidade cultural afrodescendente do povo cearense.

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*José Olímpio Ferreira Neto, capoeirista. Advogado. Professor. Mestre em Ensino e Formação Docente. Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR). Secretário executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

*José Soares de Sousa Neto, advogado. Poeta. Pós-graduando em Direito e Processo Constitucional (UNIFOR). Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza. Sócio-fundador do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais. (IBDCult)

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