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Dano moral virtual: o ambiente online e suas implicações jurídicas

No final do ano passado, decisão (nº 0033863-56.2016.8.19.0203) do TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) gerou debates acerca de um possível novo conceito: o dano moral virtual - relevante na medida em que o online está cada vez mais presente na vida em sociedade.

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Por Bernardo Paiva e Gabriel Novis
Atualização:

Após ser banido do jogo World of Warcraf enquanto ocupava a posição 6.770 entre os mais de dez milhões de jogadores ao redor do mundo, o autor do referido caso decidiu entrar com pedido de indenização por danos morais contra a empresa detentora do game.  Isso porque, a causa do banimento residiria no fato de que o autor teria ficado online mais de 10 horas seguidas, em desrespeito às regras do jogo, fato que o autor considerava indevido.

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Em um primeiro momento, o caso não apresenta nada que fuja do cotidiano da prática forense. No entanto, os pedidos do jogador certamente causam surpresa. A obrigação pressuposta pelo autor tinha como objetivo reativar a conta criada por ele há cerca de 5 anos no servidor mantido pela ré. Enquanto os danos morais referiam-se à compensação pelos abalos psíquicos causados por seu banimento do universo virtual do jogo.

O Juízo da 2ª Vara Cível do Fórum Regional de Jacarepaguá/RJ proferiu sentença julgando parcialmente procedente a ação, para obrigar a empresa responsável pelo jogo em reativar a conta do autor. Quanto ao dano moral, o magistrado entendeu que a ré não causou abalo à moral do autor.

Inconformado quanto à improcedência do pedido de indenização por danos morais, o autor interpôs o recurso de apelação ressaltando o descaso com que a responsável pelo game o tratou ao ser questionada sobre o banimento, assim como os continuados  que sofreu perante seus colegas de jogo, por ter sido rotulado como um trapaceiro.

Sob a relatoria do desembargador Alcides da Fonseca Neto, por unanimidade, a 24ª Câmara Cível do TJRJ deu provimento à apelação. Foi entendido que, por ser uma relação eminentemente consumerista, ao analisar e punir a conduta do jogador,  a detentora do World of Warcraft deveria ter levado em conta a inocência do consumidor - o in dubio pro consumidor. Portanto, o Tribunal entendeu que não seria possível o site de jogos banir o apelante sem provas de quaisquer ilegalidade ou desonestidade em sua conduta.

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Nesse sentido, o relator concluiu que não se pode dissociar a imagem virtual da imagem real, ou seja, que a imagem do jogador, mesmo que em um "ambiente virtual", ficou exposta pelo tempo de banimento bem superior do que o devido, fato que gerou evidentes transtornos entre os conhecidos do apelante e demais competidores.

Apesar de inovador, o dano moral virtual não difere conceitualmente de dano moral. Isto porque, o fator crucial na caracterização clássica dessa modalidade de dano para as pessoas físicas é valorar se houve ou não lesão suficiente a abalar a dignidade da pessoa humana, que se aperfeiçoa com a violação de um ou mais direitos da personalidade da vítima.

O Tribunal considerou que o abalo à dignidade do autor é inquestionável, posto que este dedicou 5 anos de sua vida para ser conhecido como referência no mundo virtual do jogo World of Warcraft. No entanto, ao ser banido sem qualquer comprovação de que teria infringido as normas do jogo e incluído numa lista de jogadores desonestos, sua honra, boa fama e moral foram lesadas.

Desse modo, pelo fato da ação ter ocorrido em ambiente virtual, fica evidente que o dano recai sobre a pessoa do jogador e não sobre a do seu personagem do jogo. Feitas as devidas ressalvas, entendemos que não seria possível aplicar o termo "dano moral virtual", porquanto qualquer conduta puramente direcionada ao personagem estaria impossibilitada de gerar algum tipo de pretensão.

Do contrário, chegaríamos à situação extrema de se reconhecer a personalidade jurídica dos personagens de jogos eletrônicos, o que hoje é incogitável. Por outro lado, se fosse praticada conduta danosa ao personagem virtual, como meio de lesar o seu dono, ou seja, o jogador, sem dúvida estaríamos diante de um dano propriamente dito, podendo este gerar prejuízos na esfera moral a depender do caso concreto.

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Considerando o alvoroço criado ao redor da expressão "dano moral virtual", nota-se que inexiste qualquer criação de novo instituto por parte do Poder Judiciário, mas tão somente a aplicação - no universo virtual, é verdade - do velho e conhecido instituto do dano moral.

*Bernardo Paiva e Gabriel Novis, advogados de Trench Rossi Watanabe

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