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Da (in) constitucionalidade dos limites territoriais da coisa julgada no microssistema de tutela coletiva

Por Leonardo Bellini de Castro
Atualização:
Leonardo Bellini de Castro. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O sistema processual brasileiro sofreu uma profunda reformulação em seus cânones fundamentais com a entrada em vigor da Lei n. 7.347/85, conhecida como a Lei da Ação Civil Pública. O referido texto normativo rompeu com a tradição individualista então em voga no processo civil, inaugurando o que passou a ser conhecido como o microssistema da tutela coletiva.

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O fato é que o novel modelo inseriu paradigmas em tudo inovadores na administração da justiça, dando concretude aos mandamentos constitucionais da eficiência e amplo acesso à jurisdição, além de conferir representatividade para segmentos sociais articulados em associações, além do Ministério Público, curador natural de tais interesses.

Esse novo palco de distribuição de justiça conferiu maior visibilidade aos atores envolvidos e um consequente mais dilatado poder político, haja vista que as decisões daí derivadas abrangem uma coletividade de pessoas ligadas por uma circunstância de fato ou relação jurídica, o que passou a gerar tensionamentos institucionais de toda ordem.

De todo modo, interesses sociais relacionados ao meio ambiente, relações de consumo, patrimônio público, histórico e artístico passaram a admitir tutela jurídica por intermédio das chamadas ações civis públicas.

As principais vantagens daí decorrentes se imbricaram com a possibilidade de representatividade judicial para interesses que não pertencem necessariamente a um único indivíduo e também pela possibilidade de se reduzir o número de demandas em andamento, haja vista que uma única decisão pode resolver centenas, quiçá milhares, de conflitos de interesse que desembocariam em processos individuais.

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Assim é que, por exemplo, passou a ser possível se questionar a abusividade de determinado contrato de adesão, de uma prática degradadora do meio ambiente ou de uma prática comercial de propaganda em uma única ação civil pública, independentemente da identificação de um lesado concreto.

A decisão tomada nos referidos feitos deveria gerar efeitos para todos, independentemente dos limites territoriais da competência do Juízo prolator da decisão, mesmo porque a natureza dos interesses em discussão não tornaria razoável qualquer limitação territorial por uma questão de lógica jurídica e imposição material.

Imagine-se, para aclarar, o ajuizamento de uma demanda contra determinado plano de saúde, que tem milhares de consumidores enquanto contratantes, para se questionar objetivamente uma cláusula que limite o acesso a determinado tratamento.

Veja-se que uma ação dessa natureza, que necessariamente há de ser ajuizada na capital do Estado ou Distrito Federal, por força do disposto no Código de Defesa do Consumidor, terá efeitos que necessariamente irão transbordar dos limites territoriais da Comarca, abrangendo todos os consumidores que se vejam prejudicados pela cláusula abusiva em qualquer lugar do País.

De igual modo, uma poluição ambiental decorrente de atividade degradadora que ultrapasse os limites da Comarca poderá ser objeto de demanda em qualquer lugar em que o dano esteja a ocorrer, sendo lícito e lógico que qualquer juízo impactado pelo dano imponha obrigação de não fazer que eventualmente irá beneficiar localidades distintas, fora de sua competência territorial.

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Basta a propósito lembrar do caso de Brumadinho, cujo desastre ambiental provocado pela Vale atingiu uma multiplicidade de Municípios, sendo admitido a um único juízo determinar esses danos e o necessário para sua recomposição.

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Daí porque a nova redação dada ao art. 16 da Lei 7.347/85, pela Lei n. 9.494/97, sempre foi repudiada por relevantes vozes da comunidade jurídica, na medida em que a limitação territorial da eficácia da decisão aos limites da competência territorial do juízo prolator colidia frontalmente com a lógica e integridade do microssistema de tutela coletiva.

Nesse diapasão, a se admitir a aplicabilidade literal do dispositivo, várias ações civis públicas deveriam ser replicadas em várias comarcas nas situações tais quais acima retratadas, o que iria na contramão das próprias razões da edição da Lei de Ação Civil Pública, sem embargo ainda da possibilidade de respostas jurídicas díspares em cada localidade, a comprometer a higidez do sistema jurídico.

Ainda que o tema gerasse embates jurídicos variados, nunca se pacificou na jurisprudência a constitucionalidade da medida, circunstância prestes a ser superada pelo Supremo Tribunal Federal, mais de 20 anos após a edição da norma.

Com efeito, o Pretório Excelso reconheceu a repercussão geral no RE nº 1.101.937, sob o tema 1.075, no bojo do qual debaterá a constitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/1985, especialmente no que diz com a limitação territorial das decisões em ações civis públicas.

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Aguarda-se, desta feita, que reconheça a evidente inconstitucionalidade da alteração do referido dispositivo, por evidente limitação do acesso à justiça e da célere prestação jurisdicional, dando-se logicidade ao sistema em consonância com suas bases materiais subjacentes.

*Leonardo Bellini de Castro, promotor de Justiça - MPSP. Mestre em Direito - USP

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