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CVM deveria prorrogar o prazo para assembleias de companhias abertas em tempos de covid-19

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Por Rodrigo de Macedo Soares e Silva
Atualização:
Rodrigo de Macedo Soares e Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Diariamente temos acompanhado a evolução dos fatos e medidas que vêm sendo adotadas pelas autoridades para lidar com a pandemia do coronavírus (covid-19). Diversas normas são editadas todos os dias com alterações visando a flexibilização das normais atuais para minimização dos efeitos da crise.

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No campo das Assembleias de Companhias Abertas, que usualmente ocorrem durante o mês de abril, e que não raramente congregam dezenas ou até mesmo centenas de pessoas, o Governo parece estar estudando a edição de Medida Provisória (MP) que permita a realização de Assembleias virtuais, através de sistemas de tele ou videoconferência.

No mesmo sentido, esta semana a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) flexibilizou algumas regras para Fundos de Investimento, prorrogando alguns prazos. No entanto, a flexibilização de muitas outras matérias, como as Assembleias de Companhias e Sociedades extrapolam a competência da CVM.

Em decisão judicial recente, o Poder Judiciário autorizou a realização de Assembleia Geral de Credores de uma empresa em Recuperação Judicial a ser realizada virtualmente.

Tais flexibilizações são importantes e eventualmente podem funcionar muito bem para a grandíssima maioria das Companhias de capital fechado, Sociedades Limitadas, e eventualmente para alguns Fundos de Investimentos com poucos quotistas ou Assembleia de Credores com poucos credores, mas no caso das Companhias Abertas, que não raramente possuem centenas de acionistas, tenho sérias dúvidas sobre o bom andamento dos trabalhos e audiência de todos os participantes remota ou virtualmente.

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Nada contra as tecnologias. Ainda esta semana realizamos em nosso escritório uma Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária de uma companhia fechada com quase 40 acionistas que fluiu muitíssimo bem com a participação virtual de quase a totalidade dos acionistas, com a complicação adicional de que o estatuto prevê votação secreta dos membros do Conselho de Administração. Com a presença de poucos acionistas e a participação remota dos demais, totalizando 100% dos acionistas, não há o que se discutir quanto à validade da Assembleia.

Porém, quem já participou de Assembleias com centenas de participantes, especialmente em Companhias com elevado grau de litígio entre acionistas, com votações em separado ou pelo sistema de voto múltiplo, sabe que, na prática, as deliberações de uma Assembleia são muito dinâmicas e a falta da presença física não apenas pode prejudicar determinadas medidas, como especialmente levantar dúvidas sobre a lisura do processo de votação ou sobre efetiva participação de determinados acionistas, entre outras questões.

Também não é de se imaginar que as empresas, por maiores que possam ser, conseguiriam, em tão curto espaço de tempo, providenciar sistemas e tecnologias capazes de comportar a participação de todos os seus sócios, acionistas ou cotistas virtualmente, especialmente neste momento tão delicado em que todas as empresas estão com suas atenções integralmente voltadas para mitigação dos riscos e prejuízos potencialmente causado por esta crise sem precedentes. Igualmente não se pode presumir que todos os acionistas tenham condições de acesso, sendo muitas as variáveis que se abrem para eventuais arguições de nulidade.

Da mesma forma, o Boletim de Voto à Distância não tem o propósito, nem tampouco a pretensão, de ser mecanismo de participação remota por parte de todos acionistas. O Boletim de Voto à Distância é ferramenta muito positiva que foi incorporada há poucos anos em nosso ordenamento e que ano após ano vem sendo aprimorada. Não obstante, a finalidade do Boletim à Distância é propiciar maior participação de acionistas, porém, sem dar abrigo às questões mais relevantes. Havendo descontentamento por parte de um acionista sobre matérias importantes ou desejando este acionista apresentar voto ou manifestação de protesto, deve-se optar pela participação presencial, por si, ou por meio de procurador, uma vez que o Boletim não oferece a possibilidade de manifestações.

Assim, o Governo deveria estudar principalmente o adiamento das Assembleias, pelo menos para as Companhias Abertas, ao invés da possibilidade de realização destas virtualmente.

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Obviamente, ainda é cedo para assegurar que mesmo as Assembleias marcadas para a segunda quinzena de abril deveriam ser adiadas, mas infelizmente é muito provável que sim, e ainda que não fosse, a regra deveria ser a mesma para todas as Companhias.

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Por ora, muitas empresas estão em distanciamento voluntário, mas mesmo que não haja uma medida legal que vede expressamente reuniões privadas com grandes grupos de pessoas, a verdade é que a coerência e o bom senso impõem o adiamento das Assembleias, sob pena de possibilidade de anulação futura por acionistas que não queiram comparecer em razão dos riscos à saúde que o cenário atual impõem.

Entendo ser um risco muito grande seguir com as Assembleias de forma virtual, as quais poderão ser questionadas na Justiça por inúmeros motivos, desde a lisura do processo, até a mesmo a eventual queda de conexão no momento de determinada deliberação, só para citar algumas possíveis variáveis.

A esse respeito, emissoras de televisão e empresas de streaming já declararam publicamente que tiveram que reduzir a qualidade dos seus vídeos para não sobrecarregar a rede. Com a grande maioria das pessoas em casa, acessando diversos sistemas remotamente e participando de inúmeras reuniões virtuais, é perceptível o grande congestionamento das redes, sendo muito provável que em uma Assembleia virtual com centenas de acionistas, muitos experimentem problemas de conexão.

Portanto, o risco de ter uma Assembleia questionada ou até mesmo anulada, não me parece fazer sentido, especialmente havendo uma solução muito mais simples que é o adiamento das Assembleias.

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Os mais otimistas, inclusive o atual Governo, defendem o isolamento vertical, pelo qual em meados de abril ou início de maio, muitas atividades poderão estar normalizadas, de modo que se confirmada esta teoria, as Assembleias poderão ser retomadas já a partir do mês de maio. Havendo piora do cenário, aí sim pode ser estudada a alternativa de realização virtual - repito, para as Companhias Abertas.

Além de preservar a saúde das pessoas, o adiamento certamente pouparia diversas ações judiciais que teriam por objeto a anulação das Assembleias que ocorrerem durante o período crítico de contaminação, em um momento que o Poder Judiciário certamente receberá uma enxurrada de ações decorrentes de inúmeros outros desdobramentos desta crise.

Oxalá muito brevemente possamos olhar para trás e pensar que o adiamento foi um exagero, mas no momento, para que as Companhias possam voltar suas energias para os assuntos mais urgentes e para que sejam preservados os diretos de todos os acionistas, o adiamento das Assembleias e Reuniões parece o mais sensato.

Com relação às Companhias de capital fechado, Sociedades Limitadas, Fundos de Investimento e Assembleias de Credores, sugere-se também que seja permitido o adiamento das respectivas Assembleias, uma vez que não se pode pressupor que todas tenham condições de realizar suas assembleias ou reuniões virtualmente.

Não obstante, as companhias, sociedades ou fundos que dispuserem de tecnologia que permita a participação de todos à distância, em tempo real, e desde que permitida esta possibilidade pelo Estatuto ou Contrato Social, conforme o caso, ou aprovado pela totalidade dos acionistas, sócios ou cotistas, entendemos que seria válida a Assembleia ou Reunião, que deverá ser devidamente convocada com todas as instruções para participação, realização de testes com todos os acionistas ou sócios e esclarecimento de dúvidas.

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Nestes casos, por "válida", queremos dizer que seriam muito menores as chances de questionamento da validade da Assembleia ou Reunião por qualquer acionista, sócio ou cotista no futuro, se adotadas todas estas precauções. Finalmente, recomenda-se, também, a formalização por escrito, de todos os participantes, aprovando a minuta da ata de Assembleia ou Reunião, antes do seu encerramento formal.

Espera-se que o período de isolamento seja passageiro e de curta duração, sendo muito difícil prever nesta fase inicial, tudo o que poderá ocorrer e todas as precauções e implicações legais sobre este tema. Mas a coerência, o bom senso e acima de tudo, a civilidade, sugerem o adiamento das Assembleias de Companhias Abertas, assim como várias outras medidas que vêm sendo adotadas em outros vários setores da economia ou ramos do Direito. Enquanto isso, seguimos isolados, porém unidos.

*Rodrigo de Macedo Soares e Silva é sócio de capital na área de prática corporativa e financeira da SiqueiraCastro. Pós-graduado em Direito da Internet e Comunicação pela Universidade de Coimbra e MBA em Gestão Empresarial pela FGV, possui mais de 20 anos de experiência nas áreas societária, contratual e propriedade intelectual

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