Roberta Mantovani e Roberta Torres*
16 de junho de 2019 | 10h00
Roberta Mantovani e Roberta Torres. FOTOS: DIVULGAÇÃO
“A maior parte das pessoas não gosta e não quer falar sobre segurança viária e violência no trânsito. É um assunto que incomoda e obriga-nos a pensar que cada um de nós é um pouco responsável por essa violência.”
A violência no trânsito é um assunto que desfaz rodas de conversas, capaz de afastar amigos e parentes e trás consigo um incômodo. Considerado um tema ‘pesado’ e ‘triste’, nos obriga a pensar no ferimento, na perda, na dor.
Em uma cultura como a nossa que acredita que o ‘acidente de trânsito’ é algo fortuito, obra de Deus, do destino ou do azar é mais reconfortante e leve nutrir essas crenças, mesmo que uma pessoa morra a cada 12 minutos, e que, a cada um minuto alguém fique com sequelas definitivas, a assumirmos que o governo e a sociedade têm responsabilidade sobre essa realidade enfrentada no País.
Isso talvez aconteça porque para falar desse assunto é necessário quebrarmos essa crença. Significa entender que o ‘acidente de trânsito’ é resultado de inúmeros fatores que envolvem escolhas, que existem responsáveis e que é preciso a mudança de comportamento.
É necessário admitir erros, inabilidade, imprudência, imperícia e quebrarmos as crenças. É necessário admitir que não estamos sendo capazes de viver coletivamente e nos mantermos seguros no trânsito do Brasil.
Autocuidado e autoproteção ou cuidado com o outro é uma competência que se constrói com o tempo, desde a infância.
Ser capaz de se deslocar com segurança independentemente do modal que esteja usando, requer a aquisição de inúmeras habilidades, valores e conceitos que somados darão a cada um de nós o repertório que precisamos para perceber riscos, fazer escolhas seguras em qualquer ambiente.
Paralelamente, tornar um indivíduo autônomo, capaz de seguir normas por saber que é a coisa certa a fazer e sentir orgulho disso, além de desenvolver essas habilidades, valores e conceitos é um processo que precisa ser desenvolvido durante a infância por meio de um acesso contínuo a informações e a educação propriamente dita, em continuidade na juventude por meio de processo de um processo de formação de condutores adequado que integre teoria, pré-prática (simuladores) e prática com objetivos claros e bem estabelecidos.
E, isso tudo não acontece do dia para a noite.
Para conseguirmos transformar nossa sociedade no que se espera em relação à percepção de risco no trânsito leva tempo e requer muito trabalho.
Tanto das próprias famílias orientando seus filhos diariamente, quanto dos governos em assumir que não temos maturidade (ainda) para eliminarmos toda e qualquer punição em prol de uma desburocratização, responsabilizando exclusivamente a sociedade pelos seus atos.
Ainda nos falta conhecimento sobre percepção de risco no trânsito. Ainda nos falta a capacidade de pensar objetivamente em um tema tão complexo, com tantas variáveis e tantos atores envolvidos. Entender que para dirigir basta saber trocar as marchas girando o volante e que o prazer desse ato é correr para sentir o vento no rosto, talvez se justificasse há 50 anos. Mas, não é mais assim. A sociedade mudou, o trânsito mudou e os veículos mudaram. Temos homens e mulheres matando e morrendo no trânsito diariamente.
Precisamos investir primeiro na educação básica e em uma excelente formação de condutores. Precisamos pensar a longo prazo e, ao invés de taparmos o sol com a peneira, precisamos criar uma Política Pública efetiva de segurança viária clara, com objetivos a curto, médio e longo prazos que abordem a educação, a fiscalização e uma avaliação permanente dos resultados. Antes do governo tirar das costas a sua responsabilidade por um trânsito seguro como previsto no CTB, e transferi-la para a sociedade é preciso prepará-la para isso.
Percebemos que há um esforço diário envolvendo inúmeras pessoas – estudiosos, pesquisadores, militantes, familiares de vítimas, cidadãos comuns, parlamentares – para enfrentar essa violência e compreender o porquê disso não sensibilizar a sociedade a entender que enfrentarmos uma guerra diária que mata aproximadamente 38.000 pessoas por ano. Essa é a população inteira de várias cidades brasileiras e só quem viveu uma trágica perda de um ente querido no trânsito faz ideia do que isso representa.
Esse conhecimento e consciente coletivo serão construídos com o tempo pela educação, pelo investimento em infraestrutura para transitar e na melhoria da segurança veicular em conjunto com a fiscalização efetiva. Educação que seja capaz de nos transformar a ponto de assumirmos que somos frágeis, mas também capazes de escolhas seguras. Afinal de contas, o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.
*Roberta Mantovani, pedagoga, escritora e educadora de trânsito; Roberta Torres, mestra em promoção da saúde e prevenção da violência, especialista em segurança e educação no trânsito. Diretora de ensino de CFC
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