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Crises econômicas abrindo caminho para a disrupção tecnológica da área jurídica

Por Victor Rizzo
Atualização:
Victor Rizzo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Se você ainda não mergulhou na disrupção tecnológica, uma notícia vinda do Reino Unido é um convite a considerar melhor essa possibilidade.

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Em pleno processo do Brexit o mercado britânico dá mostras de como os cenários de crise estimulam a adoção de inovações. Uma pesquisa da Thomson Reuters e da Legal Geek constatou que o investimento em tecnologia jurídica na Grã-Bretanha quase triplicou nos últimos dois anos com as startups recebendo 61 milhões de libras esterlinas, algo em torno de 323 milhões de reais, somente no ano de 2018.

De acordo com dados do noticiário Law Gazette, os britânicos criaram 44% de todas as empresas iniciantes de advocacia na União Europeia, quase o dobro de sua participação no mercado de serviços jurídicos do continente (23%). A tomada de novas medidas tecnológicas em tempos de crise pode parecer um contrassenso para quem aposta no conservadorismo das contas, mas trata-se de uma janela de oportunidade.

Aqui no Brasil, ao longo de 20 anos, essas empresas passaram por uma série de desafios. Algumas conseguiram crescer e se consolidar no mercado. Outras, devido ao natural processo de seleção natural, deixaram de existir. Os principais usuários da tecnologia jurídica, os departamentos jurídicos e os escritórios de advocacia também evoluíram durante essas duas décadas.

Na primeira década (2000 a 2010) os usuários de áreas jurídicas eram, em geral, muito refratários à tecnologia. Entre 2008 e 2010, os advogados passaram a entender a tecnologia como uma ferramenta aliada à produtividade e à redução de custo. Entretanto, com a crise econômica de 2014, houve um forte impacto sobre as receitas dos escritórios e orçamentos das departamentos jurídicos e isso ocasionou a necessidade dessas áreas buscarem na tecnologia um meio de aumentar sua eficiência e reduzir seus custos.

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Isso permitiu uma mudança radical no entendimento do valor da tecnologia. Os escritórios e os departamentos jurídicos começaram a perceber que a tecnologia era um elemento estratégico e essencial para a automação dos processos, redução dos custos e também para a sua sobrevivência.

Foram mudanças profundas que possibilitaram uma nova visão dos profissionais para que a tecnologia fosse percebida como uma aliada estratégica para a sobrevivência, ou seja, um meio de desenvolver novos produtos e serviços, nunca antes sonhados, pela falta de ferramentas e dados.

A partir de 2015 houve um aumento exponencial na demanda por essas tecnologias, crescendo também a atenção de empreendedores para o investimento na geração de startups jurídicas.

Não somente empresas e escritórios de advocacia entraram nessa onda, mas também o judiciário brasileiro fazendo esforços importantes para a adoção de novas tecnologias para melhoria da prestação de serviços à sociedade.

Neste ponto, vale destacar que existem três principais vertentes na utilização de algoritmos e da inteligência artificial pelo Poder Judiciário, não somente no Brasil, mas em outros países também.

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A primeira, uma aplicação mais simples, seria a aplicação de algoritmos de classificação, ou seja, a análise de dados (documentos) para a identificação de casos precedentes ou similares, para agrupamentos dos mesmos, visando facilitar a análise e decisão de casos repetitivos.

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Em segundo lugar, estaria o grupo de algoritmos de análise de informação em larga escala. São os chamados algoritmos de mineração de dados ou recuperação de informação, que permitem ao ser humano, de forma muito mais rápida e eficiente, acessar um enorme volume de informação e fontes (documentos, processos, artigos técnicos e jornais, por exemplo) com a capacidade de extrair desses conteúdos o que de fato é essencial. Isto facilita a análise por humanos, afinal seria impossível analisar tamanha quantidade de informação manualmente.

Em terceiro lugar, esse um pouco mais complexo e também naturalmente mais polêmico, porque implica em uma responsabilidade maior, são os algoritmos de decisão de disputas legais simples, de baixa complexidade jurídica e/ou de pequeno valor econômico. Nesse caso o algoritmo analisa os dados com base em informações precedentes e, com base nas provas apresentadas pelas partes, a tecnologia iria então propor uma decisão. Naturalmente que essa proposta de decisão sempre precisaria ser validada ou ratificada por um ser humano, no caso, um juiz.

Na Estônia, por exemplo, eles já estão implementando o chamado "robô juiz". Ele propõe decisões em casos de pequena complexidade e valor econômico, em processos com valor abaixo de EUR 7 mil (cerca de R$ 31.000) - equivalente ao nosso JEC (Juizado Especial Cível). Esse exemplo apresenta uma solução que realmente pode ajudar a desafogar o Judiciário.

Atualmente, temos juízes com elevado nível de formação e custo elevado para a sociedade,  julgando ações menores, às vezes inferiores de R$ 1000. Isso, nos parece um pouco sem sentido e uma oportunidade na qual a incorporação de algoritmos poderia representar um salto de produtividade, pois o juiz iria validar ou certificar a decisão proposta pelo algoritmo.

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Já existe também um outro movimento que está começando a tentar prever a sentença de juízes. Isso é uma solução com um algoritmo que foi implementado na Europa. Desenvolvido por pesquisadores de uma universidade de Londres e também de uma universidade da Pensilvânia, EUA, este algoritmo consegue prever o Tribunal Europeu de Direitos Humanos com um grau de acurácia bastante elevada (cerca de 80%), ou seja, antevê as decisões que os juízes vão tomar. Então, nota-se que aqui é o inverso. Ou seja, eles estão tentando prever o que o juiz vai decidir e, nesse sentido,  já serve como uma validação desses algoritmos.

Em todo os casos é preciso entender, e se precaver, que todo algoritmo possui um viés induzido pelos dados que foram fornecidos para seu treinamento para o desenvolvimento daquele algoritmo. Portanto é necessário que haja uma transparência, procedimentos e protocolos para o treinamento desses algoritmos evitarem o viés. Além disso, não podemos também esquecer dos humanos. Existem casos já documentados e estudados, em que juízes têm viés de raça, sexo ou condição social. Ou seja, os seres humanos não são perfeitos, muito pelo contrário.

Ou seja, para nós seres humanos, a imparcialidade é mais uma utopia a ser perseguida do que uma realidade vivida. Se dermos os passos na direção correta, no futuro poderemos ter algoritmos mais imparciais do que seres humanos individualmente. Esse é um novo mundo da inteligência humana aumentada por algoritmos, onde a tecnologia poderá nos ajudar a ir além do que a inteligência humana convencional pode alcançar.

Estamos vivendo a quarta revolução industrial, onde os dados são o novo petróleo e a inteligência artificial é a nova eletricidade, tal o seu potencial para transformação da sociedade e do modo em que vivemos.

Bem-vindo à Era da Ascensão do Algoritmos.

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*Victor Rizzo é diretor de Inovação da E-XYON e desenvolve projetos de Inteligência Artificial para a área Jurídica

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