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Crise hídrica: o futuro não é mais o que costumava ser

Por Jorge Freire
Atualização:
Jorge Freire. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Brasil passa novamente por uma crise hídrica e já começam a ser feitas diversas análises comparativas entre a situação atual e a vivida em 2001, que culminou com racionamento e impacto significativo na economia brasileira.

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O risco de apagão é baixo devido à diversificação da matriz energética (evoluímos muito em 15 anos), maior integração das diversas fontes de energia no SIN (Sistema Interligado Nacional) e maior capacidade de resposta a crises.

Neste artigo, analiso a crise hídrica considerando apenas os aspectos técnicos, passando um contexto geral da situação e focando em um conjunto de recomendações importantes para evitar novas crises.

Sobre a matriz energética brasileira, em 2005, era bastante concentrada em fontes hídricas que representavam 89,5% de nossas fontes. Os outros 10,5% eram compostos por Gás Natural, Biomassa, Carvão e outras fontes. Esse cenário representava uma das matrizes mais limpas do mundo - em contrapartida, possuía altíssimo risco hidrológico.

Nos últimos 15 anos, o sistema elétrico brasileiro tem diversificado a matriz, diminuindo a dependência de fontes hidrológicas e, consequentemente, o risco sistêmico perante as mudanças climáticas cada vez mais frequentes.

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Em 2020, a matriz energética brasileira já era bem menos dependente de chuvas. Mesmo com a queda da participação percentual da geração hídrica, testemunhamos o aumento significativo de outras fontes renováveis como solar, eólica e biomassa.

Ao analisarmos a matriz de 2020, percebemos o resultado de um planejamento energético com o objetivo claro de diversificação sem a perda da característica fundamental brasileira de predominância de energia limpa e renovável: Fontes Hídricas - 63,8%, Gás Natural - 8,3%, Eólica - 9,2%, Biomassa - 9,0%, Nuclear - 2,3% e Outras - 7,4%.

Apesar da diversificação dos últimos 15 anos comprovada nos números apresentados acima, ainda se percebe uma dependência bastante significativa do nível dos reservatórios para atender a demanda da sociedade. Essa dependência se reflete em um risco hidrológico que conta com um volume de chuvas estável e dentro de um padrão de normalidade ano após ano. Aí é que mora o perigo.

O último período úmido, encerrado em abril de 2021, registrou o pior nível de afluências desde 1931. Com isso, o setor passou a monitorar com mais atenção a disponibilidade de gás natural para as térmicas, que já estão sendo despachadas a todo vapor desde o ano passado, e a gestão do uso múltiplo das águas.

Com a escassez vivida nos últimos anos, os impasses sobre os recursos hídricos têm aumentado. Esta situação hídrica vai demandar maior governança e colaboração de todos os setores para assegurar a segurança energética do País.

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Entendemos que vivenciamos um dos piores períodos de seca dos últimos 90 anos, mas a pergunta que fica é: esta situação poderia ter sido antecipada ou mesmo considerada nos diversos modelos matemáticos que são utilizados para planejamento, operação e precificação do sistema elétrico brasileiro?

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Minha resposta ao questionamento acima é: sim, poderíamos e deveríamos melhorar o modelo e os sistemas de planejamento e precificação do setor. Admito, contudo, que esta não é uma tarefa simples, fácil e rápida.

Os atuais modelos e sistemas matemáticos foram fundamentais para a evolução do sistema elétrico. Neste momento, no entanto, é necessária ampla discussão com os agentes do setor para refletir alguns pontos específicos e fazermos as devidas adaptações e correções no modelo para evitarmos novas crises hídricas.

Tomo a liberdade de listar alguns pontos que eu e minha equipe consideramos como fundamentais na revisão dos modelos de planejamento, operação e precificação do setor:

- Revisão do cálculo do valor da água - contemplando produtividade das usinas, revisando simplificações que foram implementadas há alguns anos e que se mostraram não realistas, considerando as perdas decorrentes do uso múltiplo das águas etc.

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- Revisão da ponderação das séries históricas para previsão hidrológica futura - devido às diversas mudanças climáticas que ocorrem no Brasil e no mundo, as séries históricas não representam a melhor estimativa para as projeções hidrológicas.

- Contemplação das novas probabilidades decorrentes das fontes renováveis - a entrada maciça de novas usinas eólicas na matriz energética brasileira diminui o risco hidrológico, mas adicionam riscos, como os dos ventos e da disponibilidade de radiação solar, que precisam ser mais bem mapeados, planejados e avaliados de acordo com o impacto da sazonalidade no sistema.

- Revisão gradativa do modelo atual para modelo de mercado - contemplar diretrizes e orientações de um modelo de mercado conhecido por despacho por oferta.

Com as devidas adaptações, revisões e correções no modelo e nos sistemas de planejamento, programação, despacho e precificação, teremos os seguintes benefícios para o sistema: acionar térmicas com antecedência correta prevendo momentos de queda de chuvas ou queda de ventos; evitar esvaziamento precoce dos reservatórios; melhorar a sinalização de preços no curto prazo para contemplar aumento de riscos no sistema e, com isso, estimular corretamente o acionamento ou mesmo a implementação de fontes de geração mais caras para atender a demanda; melhorar as ordens de despacho; evitar preços que atinjam o teto regulatório quando a crise já está instalada; e melhorar a segurança e garantia energética do País.

Os motivos da crise atual são os mesmo de sempre e o diagnóstico já é conhecido: precisamos melhorar nosso modelo de planejamento, despacho e precificação.

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Entendo que os agentes do setor têm diagnóstico parecido com este e sigo otimista que vamos aproveitar esta nova crise hídrica como gatilho para uma revisão sistêmica fundamental e necessária para promover a garantia que o sistema energético precisa para ter melhor planejamento, despacho e sinalização de preços para o mercado.

*Jorge Freire, líder de Utilities da Accenture

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