Temos assistido à crescente discussão em torno do tratamento precoce para Covid-19, que gera polêmica e estimula divergências públicas entre os profissionais da saúde. O excesso de informação à grande massa sem direcionamento claro acaba motivando debates vazios e propagação de achismos -- que ganham repercussão nas redes sociais e dão espaço para desinformação e fake news. O clima acalorado e raivoso nada colabora para a melhora do cenário, que apresenta nova onda de aumento de casos.
Se no campo da saúde não há consenso, o tratamento precoce para a crise de empresas é plenamente aceito entre os especialistas em reestruturação -- outro campo do conhecimento que tem sido invadido por "especialistas sem especialização". E mais: acaba de virar lei, com a reforma da Lei de Recuperação de Empresas. O novo texto legal inova no sentido de trazer mecanismos que incentivam a renegociação de dívidas entre devedor e seus credores, partindo da premissa de que eles devem cooperar para salvar a atividade economicamente viável.
Para estimular esse comportamento, a lei oferece novos gatilhos. O principal deles é o que tecnicamente chamamos de stay period: a suspensão de ações e execuções que tramitam contra a empresa em dificuldade. O objetivo é abrigar os ativos e o caixa, equilibrando o ambiente de renegociação. No escopo do procedimento de negociação antecedente, passa a ser mais uma opção no arsenal do tratamento precoce. Seu uso é focado naquele momento quando o empresário percebe as primeiras dificuldades -- como a falta de dinheiro em caixa, ou crise de liquidez.
O paralelo com o tratamento de saúde é inevitável: em doenças que podem se agravar (como a crise), quanto antes for feita a intervenção, melhor o resultado. E, no caso da reestruturação de empresa, os remédios menos amargos são os procedimentos da negociação antecedente e da recuperação extrajudicial -- que já existia, mas foi aprimorada. Com eles, a lei regula a pré-crise e incentiva a tomada de decisões para superação dos problemas antes que eles se tornem crônicos e se transformem em ameaça à vida e à continuidade do negócio.
Renegociar contratos, trazer dinheiro novo e organizar a operação são os três grandes pilares de todo projeto de reestruturação, e a mudança legal se encarrega de trazer fôlego para o primeiro deles. É uma transformação cultural que pode mudar por completo o sistema de insolvência. Quanto antes melhor. Essa, agora, é a lei!
*Juliana Biolchi, advogada e sócia-diretora da Biolchi Empresarial