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Criminalização do não recolhimento de ICMS

Por Christopher Marini e Andrea Haak
Atualização:
Christopher Marini e Andrea Haak. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

De acordo com a política fiscal brasileira, sobre a atividade empresarial incidem alguns impostos, como o ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, regulado pelo Governo dos Estados.

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Acontece que, em 18 de dezembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) n.º 163.334, firmou a tese de que o não recolhimento intencional de ICMS do adquirente da mercadoria ou serviço, mediante conduta contumaz e com dolo de apropriação, possibilita a responsabilização pelo crime do artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137 de 1990.

Segundo o entendimento majoritário, encabeçado pelo Relator do Recurso, Ministro Luís Roberto Barroso, o valor do ICMS cobrado do consumidor não integra o patrimônio do comerciante, o qual seria mero depositário desse valor que, depois de devidamente lançado, deve ser recolhido aos cofres públicos. Entretanto, salienta o eminente Ministro que a conduta do devedor deve ser "costumaz", utilizada como "estratégia empresarial":

"É o devedor contumaz, que não paga quase que como estratégia empresarial, que lhe dá vantagem competitiva e permite que venda mais barato que os outros, induzindo os demais à mesma estratégia criminosa. O que estamos tentando enfrentar é o comportamento empresarial ilegítimo que gera concorrência desleal e, em muitos mercados, é muito evidente".

Segundo aquele julgamento, o mero inadimplemento do imposto lançado caracterizaria a apropriação indébita dos valores, criminalizando-se, assim, a atividade empresarial, até mesmo porque não se determinou, durante ou após o julgamento, o que seria um comportamento "costumaz", causando enorme insegurança jurídica.

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O ministro Barroso afirmou que "o que estamos enfrentando é um comportamento empresarial ilegítimo. Como pontuou o Ministro-Presidente, proponho incluir na tese que não é quem deixou de pagar ICMS, eventualmente, em momento de dificuldade, ou pulou um, dois ou até três meses".

O que seria costumaz? Inadimplir por três meses? Ou seria a partir do inadimplemento no quarto mês consecutivo? E se o empresário intercalar os meses de pagamento? E se houver a contestação desses valores perante o Fisco, estaria caracterizado o crime? Todas essas perguntas ficaram em aberto.

Eis aqui um dos mais graves problemas do Brasil - a insegurança jurídica - a falta de clareza sobre as regras do jogo, aliados ao constante oscilar do resultado dos julgamentos ao gosto de cada magistrado, cria um cenário que massacra empresas, desestimula a atividade empresarial, além de impedir a competitividade, pois as pequenas e medias empresas não têm caixa para contratar advogados, contadores e consultores para as devidas adequação a legislação de regência, afinal de contas, se o caixa estivesse positivo, o imposto já teria sido recolhido.

Além de ser um enorme retrocesso às garantias constitucionais dos cidadãos, já que permitirá a prisão por mero inadimplemento de uma dívida perante o Fisco, atentando diretamente a Convenção Internacional de Direitos Humanos, o recente entendimento da Suprema Corte utiliza, de forma indevida, o Direito Penal como mecanismo para atingir as políticas e metas fiscais do Estado, em completo desacordo com a Constituição Federal, quando traz à seara Penal a incumbência da arrecadação tributária.

Até o advento deste malfadado julgamento já era consenso que para a caracterização dos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137 de 1990 é imprescindível a existência de fraude, dissimulação ou omissão dolosa da obrigação principal ou acessória, sendo que o mero inadimplemento, mesmo que costumaz, não caracterizaria quaisquer uma das modalidades indicadas.

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O que o recente entendimento incentiva, à bem da verdade, é a sonegação dos valores de ICMS.

A Suprema Corte tenta tomar à frente do Poder Legislativo, quando aumenta a abrangência da aplicação da lei, contrariamente ao que foi legislado.

*Christopher Marini e Andrea Haak, sócios do Marini Advogados

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