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Crimes cibernéticos e cooperação internacional

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Por Filipe Lovato Batich e Rhasmye El Rafih
Atualização:
Filipe Lovato Batich e Rhasmye El Rafih. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os crimes praticados no âmbito cibernético são um desafio mundial. Existe uma carência na tipificação de violações a novos bens jurídicos, como a integridade no armazenamento e transmissão de dados e sistemas informáticos ou de se punir crimes tradicionais agora praticados por meios eletrônicos, como fraudes, violações de direitos autorais e a troca de material pornográfico infantil. Em paralelo, as ferramentas e procedimentos que as autoridades públicas possuem para o combate à criminalidade tradicional mostram-se ineficazes ou morosos para investigar crimes na dita sociedade da informação.

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Passadas mais de duas décadas da celebração da Convenção de Budapeste, foi publicado o Decreto Legislativo nº 37/2021, formalizando a adesão do Brasil ao referido tratado internacional, que busca instituir um sistema mundial integrado para coibir a criminalidade no ambiente cibernético, que combina a criminalização de condutas, a adoção de procedimentos específicos e a cooperação entre seus signatários.

Dentre esses, a cooperação jurídica entre os signatários da Convenção de Budapeste se mostra relevante, pois tal disposição não depende de normas legais locais para a sua imediata aplicação.

Inicialmente, é importante destacar que o Brasil não se encontra isolado na troca de informações entre autoridades nacionais para o combate a crimes, inclusive já havendo outros tratados multilaterais ou bilaterais e convenções que já permitiam essa troca de informações de forma mais ágil, incluindo algumas condutas classificadas como crimes cibernéticos.

Em paralelo à utilização de cartas rogatórias, instrumentos que permitem a qualquer juiz requerer a seu par em outro país a realização de ato de natureza jurisdicional, mormente envolvendo canais diplomáticos mais burocráticos, tratados e convenções que disponham sobre cooperação na troca de informações aceleram consideravelmente a colaboração e troca de informações, pois normalmente definem o procedimento, as autoridades competentes para recebê-los e os processar e, inclusive, a possibilidade de cooperação passiva.

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Antes da adesão à Convenção de Budapeste, o Brasil já possuía: (i) 21 acordos bilaterais de assistência judiciária geral em matéria penal com nações específicas, sendo que muitos deles não preveem a necessidade de dupla-incriminação para que a cooperação seja requerida; e, (ii) 3 acordos de cooperação de investigação criminal em geral conjunta entre blocos de países, entre os membros do Mercosul, da Convenção Interamericana e Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

A Convenção de Budapeste, por sua vez, conta atualmente com 62 nações signatárias, representadas especialmente por países desenvolvidos e da América do Sul, mas muito poucos Estados da África, Oriente Médio e Ásia. A baixa adesão gera problemas de ordem prática, pois criminosos cibernéticos organizados normalmente utilizam Internet Protocol (IPs) de jurisdições que não fazem parte de tratados ou convenções de cooperação em matéria penal, dificultando ou até mesmo impossibilitando investigações.

A adesão às disposições da Convenção de Budapeste, no tocante a questões de cooperação internacional, abrange a extradição, auxílio mútuo e seus procedimentos.

Para a extradição de criminosos cibernéticos, a convenção adota o conceito de dupla incriminação, sendo capaz de gerar questionamentos de ordem prática, pois diferenças entre tipos penais entre os países podem ser utilizadas para afastar o exequatur. A Convenção de Budapeste permite a extradição de crimes cuja pena máxima seja superior a 1 ano, sendo que no Brasil toda a infração com pena máxima inferior a 2 anos é considerada infração de menor potencial ofensivo, o que garante ao acusado uma série de benefícios tanto para extinguir as acusações sem o julgamento de mérito, quanto cumprir penas restritivas de direito ao invés de prisão em caso de condenação, o que afastaria a extradição para delitos dessa categoria.

A cooperação para auxílio mútuo, diferentemente de muitos tratados bilaterais, manteve a necessidade de dupla incriminação da infração investigada e previu a utilização de meios eletrônicos para requisições entre nações em casos que demandem urgência, meio que já é praxe nos tratados bilaterais e permite o envio de informações de forma espontânea, a chamada colaboração passiva.

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Por fim, inova quanto aos procedimentos, ao permitir que a Interpol seja um canal de comunicação entre as autoridades, auxiliando no combate a infrações ou organizações criminosas transnacionais.

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Com o fim de atualizar e tornar a cooperação mais ágil, está sendo discutido um segundo protocolo adicional à Convenção de Budapeste que visa a acelerar o compartilhamento de informações sobre domínios, usuários, dados armazenados, prevendo inclusive um procedimento emergencial. Além disso, prevê a possibilidade de criação e forças tarefas entre os signatários para a investigação de crimes cibernéticos.

Em suma, do ponto de vista de cooperação internacional, a Convenção de Budapeste é apenas mais um instrumento, dentre os existentes, para que Estados obtenham informações de forma mais célere. Por ter mais de duas décadas, ela acabou não acompanhando o desenvolvimento tecnológico da delinquência cibernética, que há muito vem explorando jurisdições fora de seu alcance, limitando a sua utilização quando os criminosos realizaram suas condutas ou estão localizados nas nações signatárias.

*Filipe Lovato Batich, advogado associado da prática White Collar & Compliance do Madrona Advogados. Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (FD-USP). Professor universitário

*Rhasmye El Rafih, advogada associada da prática White Collar & Compliance do Madrona Advogados. Mestranda em Direito pela Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto (FDRP-USP)

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