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CPI do vazamento de dados já!

Por Marcos da Costa
Atualização:
Marcos da Costa. FOTO: NILTON FUKUDA/ESTADÃO Foto: Estadão

O Brasil, anestesiado por uma incrível sequência de crises, política, social, econômica e mais recentemente sanitária, parece não ter conseguido reagir com energia necessária contra uma nova tragédia, de dimensões inimagináveis para a era tecnológica que estamos vivendo, e cujos danos, pessoais e coletivos, até mesmo em termos de segurança nacional, podem ser incalculáveis. Me refiro ao maior vazamento de informações pessoais de 240 milhões de brasileiros, o maior já ocorrido no Brasil e potencialmente em todo o mundo.

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Há muito a sociedade tem percebido o avanço e os danos que as novas tecnologias possam causar à humanidade. Em 1890, muito antes, portanto, de chegamos ao nível tecnológico atual, dois juristas americanos, Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, publicaram estudo mostrando que direitos clássicos de proteção à vida e à propriedade não ofereciam proteção contra inventos e métodos comerciais modernos, reclamando o surgimento de um novo direito fundamental do cidadão, que eles denominaram direito à privacidade, correspondente, nas palavras do juiz americano Cooley, ao direito de ser deixado em paz.

A Europa há décadas percebeu a gravidade que a posse de informações pode causar aos cidadãos. Atribui-se, por exemplo, a dados coletados em um censo realizado na Alemanha na década de 20, a identificação dos milhões de judeus que foram exterminados pelo Governo nazista. Daí a construção de arcabouço legal pela Comunidade Europeia e internamente, pelas Nações que a compõem, de proteção aos cidadãos contra o mal uso da tecnologia, sendo que a Espanha, por exemplo, chega a consagrar o chamado direito à auto-determinação informativa, na sua própria Constituição.

Nosso país, entretanto, até muito recentemente não dava qualquer importância ao armazenamento de nossas informações. O quadro começou a mudar somente em 2018 com a aprovação da Lei da Proteção de Dados Pessoais, lei que até hoje não foi sequer implementada e que, por exemplo, não nos protege em relação a dados armazenados pelos próprios Governos, embora há muito se tem notícia de que em praças públicas são vendidos CDs com nossas declarações de imposto de renda.

Será um desafio gigantesco descobrir quem foi o autor ou autores do novo vazamento para que possa responder pelo dano que causou e ainda certamente será seja causado. Aliás, já se veicula a hipótese de não ter sido apenas um, mais numerosos vazamentos. É preciso, pois, ir além e verificar quem estava armazenando esses dados, quais eram eles, como conseguiu obtê-los e para qual finalidade mantinha nossas informações.

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Os riscos individuais são enormes. Além de possíveis golpes com prejuízos econômicos, a própria privacidade das pessoas pode estar em risco, já que capacidade tecnológica atual de armazenamento e processamento de informações permite que, partir de dados aparentemente singelos, se possa construir uma imagem precisa de cada pessoa, das suas atividades públicas às suas questões mais íntimas.

Há informações de iniciativas ligadas à estrutura da Justiça também para a apurar responsabilidade pelo vazamento. O próprio Supremo Tribunal Federal já determinou apuração do vazamento de dados em relação às autoridades. Mas diante dos riscos aos cidadãos e à própria Nação, já que falamos potencialmente de vazamento de informações de todos os brasileiros, será fundamental que também Congresso Nacional se envolva nessa apuração, instalando uma Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI. Enquanto o Judiciário trata o problema sob a ótica do passado, buscando responsabilizar os autores e ressarcir aos danos por eles causados, a CPI, tendo os mesmos poderes de investigação, tem o olhar dirigido para o futuro, visando a compreender a efetiva extensão do vazamento para adotar as medidas protetivas imprescindíveis aos brasileiros em um mundo cada vez mais tecnológico.

*Marcos da Costa, advogado, foi presidente da OAB SP de 2013 a 2018

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