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Covid-19: o trabalhador brasileiro não está protegido

A retomada gradual da economia, com a reabertura do varejo e da indústria em diversas cidades e estados brasileiros, acende um novo alerta em meio à crise da Covid-19. Em um país onde o uso de EPIs (equipamentos de proteção individual) já era insípido antes da pandemia, como proteger o trabalhador desse novo risco biológico?

Por Etore Frederici
Atualização:

O cenário atual ainda é de retração no mercado de trabalho. Entre maio e julho, o número de desempregados cresceu 20,9% no país, de 10,1 milhões para 12,2 milhões, segundo dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nesses três meses, o número de ocupados também caiu: de 84,4 milhões para 81,4 milhões (3,5%).

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Os exemplos de outros países, porém, mostram que, na medida em que a curva de infectados pelo coronavírus começa a subir menos, a atividade econômica ganha fôlego, com o consequente acompanhamento, ainda que tardio, do mercado de trabalho. Uma avaliação do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) feita sobre os dados do IBGE reforça essa tendência: para o instituto, a retomada de empregos no Brasil tende a vir depois da retomada econômica - o termômetro será o nível de segurança dos empresários quanto ao cenário econômico.

Etore Frederici. Foto: Divulgação

A reversão, porém, virá. E quando o trabalhador da indústria voltar à atividade ou o desempregado conseguir uma vaga no varejo, por exemplo, eles dificilmente estarão efetivamente protegidos do novo coronavírus em seu ambiente de trabalho. Essa situação é bastante clara por diversos motivos.

Primeiro, é preciso lembrar que o Brasil é o quarto país em número de acidentes de trabalho, atrás apenas de China, Estados Unidos e Rússia, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho). Em 2018, segundo o Ministério do Trabalho, foram contabilizados 576.951 acidentes de trabalho - estima-se que o número real seja entre duas e três vezes maior, já que os dados oficiais versam apenas sobre empregos formais. Desde 2012, um brasileiro morreu a cada 3 horas e 43 minutos em virtude de acidente ou doença laboral (foram mais de 20.280 mortes), aponta estimativa do Observatório Nacional de Saúde e Segurança do Trabalho.

Se, por um lado, a pandemia alertou a sociedade para o uso de máscaras, por outro a cultura do brasileiro para a prevenção de doenças ainda tem muito a evoluir. Prova disso são reportagens aos montes que mostram aglomerações em festas, pessoas multadas sem o equipamento de proteção e até textos sérios explicando que não adianta usar a máscara abaixo do nariz ou no queixo.

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No ambiente de trabalho, por mais que na última década tenha havido uma evolução, essa cultura ainda persiste em menor grau. Uma parcela dos empregadores ainda enxerga os EPIs como gasto, e não investimento, preferindo correr o risco de pagar multa a proteger o trabalhador. Some-se a isso o fato de o próprio empregado às vezes preferir não usar um equipamento de proteção pelo desconforto ou pela dificuldade de higienização.

A questão não é só cultural, é também técnica. A discussão sobre riscos múltiplos no mercado de trabalho ainda engatinha. Basta imaginar um eletricista escalado para um serviço urgente em um hospital. O profissional provavelmente usará uma máscara de tecido. Se um acidente gerar um arco elétrico e chamas, as luvas e a roupa o protegerão deste dano, mas a máscara poderá derreter na sua face.

Esse é apenas um exemplo do chamado multirrisco, que se estende para milhares de outros profissionais e dezenas de atividades, como mineração, óleo e gás, químicas, atendimento de emergências e forças de segurança. Já há tecnologias no país que solucionam esse problema, como máscaras que protegem tanto contra chamas quanto contra o coronavírus, mas é forçoso dizer que a adaptação, a conscientização e o investimento chegarão aos ambientes de trabalho ao mesmo tempo em que a volta às atividades.

Para acelerar esse processo, a discussão sobre prevenção biológica precisa extrapolar a fronteira dos ambientes de saúde, com uma pauta pública séria e a participação de representantes de empregadores e empregados. Se a sociedade brasileira não acordar para essa necessidade, tudo o que nos restará será torcer.

Primeiro, torcer pela chegada rápida de uma vacina eficaz. Depois, torcer contra a História, afinal, teríamos que acreditar que, no futuro, não haverá mais pandemias.

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* Etore Frederici é diretor de vendas da América Latina para o segmento de Proteção Pessoal da DuPont

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