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Covid-19: o compromisso do Ministério Público com a sociedade e o propósito de cooperar para a superação da pandemia

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Por Manoel Murrieta
Atualização:

A condição de isolamento social já esteve presente no imaginário literário de José Saramago. O escritor português narrou, em Ensaio sobre a Cegueira, uma "treva branca" que paralisou a sociedade e revelou traços obscuros da humanidade. Um enredo crítico, que nos convida a refletir sobre valores e relações, com uma profunda mensagem final de superação. Na vida real, curiosamente, vivemos um tempo igualmente distópico onde a população se vê na urgência de ressignificar a prática da solidariedade como meio para sobreviver e ajudar outras pessoas a se manterem vivas.

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Em tempo de pandemia de coronavírus, a quarentena é a alternativa para alcançarmos essa almejada superação e, portanto, deve ser cumprida por todos. A responsabilidade é coletiva: está nas mãos de cada cidadão brasileiro a chance de evitar o contágio e mortes em massa, como tem ocorrido em outros países. Em sentinela, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) acompanha, ao lado do órgão federal e nos estados, a cada caso que, de algum modo, possa ameaçar ou ferir os direitos difusos e coletivos nesse momento de crise. Felizmente, as autoridades se comprometeram a esclarecer a população sobre a doença e dispor todo aparato em saúde necessário para diagnóstico e tratamento. E a população, por sua vez, em sua maioria recolhida em seus lares, tem contribuído a frear a disseminação do vírus. Com as devidas medidas de prevenção, vamos superar juntos essa calamidade.

Com o avançar da covid-19 no Brasil, gradualmente, empresas públicas e privadas foram fechando as portas. Ministérios, órgãos públicos e entidades aos poucos anunciaram a adoção do trabalho feito de casa. Estão autorizadas a sair às ruas apenas profissionais que atuem em serviços essenciais e que exijam a presença física. A regra é evitar aglomerações e tentar barrar possíveis contágios fora de controle. Já que o afastamento é a melhor forma de prevenção, a Conamp também já havia solicitado, por meio de ofício ao presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o procurador-geral Augusto Aras, a adoção do sistema de rodízio e home office nos órgãos do MP como um meio de proteção. A definição veio na quinta-feira (19/3), por meio da Portaria nº 76 da Procuradoria-Geral da República.

A palavra da vez passou a ser "trabalho remoto" e, assim, seguimos a todo o vapor com a nossa missão de proteção dos direitos dos cidadãos. Recentemente, com um olhar especial lançado para as comunidades de favelas e periferias, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF) solicitou ao Ministério da Saúde um planejamento sobre o atendimento dessas famílias durante esse período. O órgão também questionou à Fundação Nacional do Índio (Funai), à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ao Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) e à Secretaria de Saúde em Santarém (PA) a respeito da proteção dos povos indígenas da região. No entanto, o MPF sugeriu que não seja empregado o contato com índios que vivam em afastamento voluntário da sociedade. E a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também entrou na mira, tendo sido oficiada pelo órgão para manter o atendimento aos usuários, mesmo aqueles que estiverem inadimplentes.

Na Paraíba, o MP cobrou da administração pública a adoção de medidas preventivas, como a restrição de circulação de pessoas, e a divulgação constante de informações sobre a situação dos hospitais. No Rio de Janeiro, o Ministério Público analisa a situação de fiéis que ignorando o risco insistiam em comparecer aos cultos religiosos. Já em Porto Alegre, promotores e procuradores de Justiça investigam se a redução na oferta de linhas de transporte coletivo expôs passageiros e provocou contaminações. Como se pode ver, há muito trabalho a ser feito.

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No âmbito legal, a Lei 13.969/2020 publicada logo no início de fevereiro pelo Governo Federal já estabelecia regras como o isolamento, a quarentena e a realização compulsória de exames e testes laboratoriais. Muito embora a legislação brasileira proteja o direito de ir e vir, no caso específico trata-se da preservação da vida e, portanto, deve prevalecer o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Estado de Emergência ou Calamidade Pública: independentemente de como a chamemos, o momento exige conscientização e colaboração de todos. Estamos diante de uma pandemia contra a qual somente unidos e organizados teremos chance de triunfar.

Na contramão dessa sintonia mundial, surpreende que, mesmo diante de uma grave pandemia de escala exponencial, cujo auge potencial de alcance no Brasil ainda é um mistério, ainda existam algumas poucas pessoas que se recusem a cooperar. No Distrito Federal, por exemplo, tão logo surgiam os primeiros casos de contaminação, foi preciso a intervenção do Judiciário para determinar que um homem, de 45 anos, que acompanhava a esposa internada com coronavírus, se submetesse ao exame. Casos semelhantes ocorreram em outras localidades e foi preciso o Ministério da Saúde emitir recomendação de isolamento e até de internação compulsória -- essa última, por meio de Portaria assinada em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, prevê a aplicação das penas dos artigos 268 e 330 do Código Penal a quem descumprir as regras de prevenção.

Ao fim, qual lição poderemos tirar do susto com essa pandemia? Impressiona o fato de como um microorganismo, que surgiu de modo tão inesperado, pode ter um poderio de magnitude letal sobre a humanidade. Nesse período, assistimos nos telejornais a imagens de ruas desertas em cidades pelo mundo. As cenas silenciavam um grito de socorro quase incompreensível. De fato, levou pouco tempo até que a covid-19 nos atingisse em praticamente todos os pilares. Do seu surgimento em dezembro passado até o momento, o novo coronavírus interrompeu serviços; provocou circuit breaker, travando operações em bolsa de valores; impôs o total isolamento. O vírus pôs fim a centenas de vidas e nos deixou vazios de respostas.

Há, porém, uma certeza: o combate à covid-19 provocou também uma comunhão de forças entre os diferentes agentes sociais, em particular os profissionais da saúde, que reconhecidamente têm dedicado todos os esforços para atender a todos os pacientes. Servidores públicos e profissionais de diversos setores que deixaram as famílias em casa e seguiram a rotina diária, encarando todos os riscos com a finalidade de atender aos cidadãos.

Assim como no livro que depois virou filme, o povo brasileiro se vê na obrigação de adotar essa espécie de autoexílio domiciliar. Fica a expectativa para saber se o Estado terá condições de oferecer a assistência mínima necessária no que diz respeito à atenção com a saúde -- direito garantido na Constituição Federal. De fato, quando a Lei Complementar nº 75/1993 previu atribuições como a "proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos", certamente abarcou uma gama extensa de ações, que o órgão exercerá com todo afinco durante o enfrentamento da pandemia. Como se pode ver, agora, mais do que nunca, o MP se mantém alerta no acompanhamento do cumprimento das medidas de prevenção ao vírus e de atendimento à população. Nossos promotores e procuradores de Justiça estão se somando a essa rede de solidariedade, construindo um Ministério Público forte para todos os cidadãos.

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*Manoel Murrieta é promotor de Justiça do Estado do Pará e presidente eleito da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e coordenador da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas). É pós-graduado em Direito Ambiental e Políticas Públicas pelo Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (Naea/Ufpa) e professor de Processo Penal na Escola Superior Madre Celeste (Esmac/PA)

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