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Covid-19 e recuperação econômica: o imperativo do desenvolvimento sustentável

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Por Lina Pimentel e Viviane Otsubo Kwon e Tábata Boccanera Guerra de Oliveira
Atualização:
Lina Pimentel, Viviane Otsubo Kwon e Tábata Boccanera Guerra de Oliveira. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Quando o Fórum Econômico Mundial divulgou o Global Risks Report de 2019, pouco se discutiu a respeito da seção "Going Viral", que tratava da alta probabilidade de um surto de doença infecciosa causar perdas imensuráveis para a economia mundial, destacando a nossa vulnerabilidade decorrente da globalização, bem como o despreparo nas esferas pública, privada e da sociedade civil para lidar com ameaças biológicas, especialmente com relação ao bem-estar social e o desempenho da atividade econômica.

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Hoje, os riscos se materializaram com estimativas alarmantes do revés na economia mundial de U$ 5,8 a U$ 8,8 trilhões em decorrência da pandemia e, mais importante, com o surto da covid-19 que causa, diariamente, milhares de mortes que representam perdas irreparáveis para as famílias, marcando um dos eventos mais trágicos dos últimos 75 anos.

Os impactos da covid-19 têm sido discutidos em diferentes searas, e um dos pontos chave das discussões diz respeito à melhor forma de recuperação econômica mundial. Inevitavelmente, essa discussão perpassa as questões ambientais e a gestão de riscos. Considerada como um Black Swan (Cisne Negro), a pandemia pode ser caracterizada, sob a ótica econômica, como um evento raro, imprevisível e capaz de causar alto impacto no mercado financeiro.

Entretanto, a economia mundial está sob outra séria ameaça, cujas origens são antigas, mas os efeitos - caso medidas urgentes não sejam adotadas -, estão apenas começando: a dos riscos climáticos. É o que Bank for International Settlement, responsável por promover a cooperação entre os bancos centrais e outras agências na busca de estabilidade monetária e financeira, chamou de Green Swans.

Também chamados "Black Swans climáticos", tais eventos possuem como peculiaridades: o alto grau de certeza de que alguma combinação de tais riscos se materializará no futuro; o fato de representarem catástrofes mais sérias do que a maior parte das crises financeiras sistêmicas (já que representam ameaça à própria existência humana); e o fato de envolverem complexidade ainda maior que outros riscos, já que podem gerar impactos imprevisíveis de ordem ambiental, geopolítica, social e econômica.

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Diante desse cenário, é imprescindível olhar como será estruturada a recuperação econômica. A crise atualmente vivenciada escancarou o que jazia por trás do modo de vida moderno. Do ponto de vista do meio ambiente natural, a relação do homem com a natureza acabou aumentando seu contato com a vida silvestre e com espécies que constituem reservatórios de vírus aptos a causarem doenças emergentes em humanos. Do ponto de vista do meio ambiente urbano, problemas estruturais e sistêmicos relacionados a saneamento, informalidade e desigualdade ficaram evidentes. As mudanças climáticas perpassam todas essas esferas, impactando a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos, desequilibrando os ciclos hidrológicos, ocasionando secas e chuvas extremas que devastam cidades, entre diversos outros fatores.

Nesse contexto a depender de como a retomada das atividades econômicas se dará, os riscos climáticos - que já são correntes - podem causar impactos ainda piores do que os que vivemos nos dias atuais. Idealmente, um modelo robusto de reestruturação econômica preocupado com as questões climáticas deveria advir de políticas de Estado bem elaboradas e coordenadas por lideranças engajadas. Entretanto, principalmente considerando o cenário político brasileiro atual, outros atores também devem exercer esse papel de protagonismo.

O setor financeiro, como um dos grandes responsáveis pela indução de comportamento da iniciativa privada, deve fomentar a transição para uma economia de baixo carbono, levando em consideração o impacto financeiro das mudanças climáticas. Recentemente traduzida para o português, as recomendações da Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (conhecida pela sigla em inglês "TCFD") consistem em importante ferramenta para que, mediante divulgação por parte das empresas de informações financeiras relacionadas às mudanças climáticas, os investidores, credores e agentes de subscrição de seguros compreendam riscos relevantes e incorporem tais riscos nas suas tomadas de decisão.

De acordo com o relatório da Ernst Young (EY) sobre as maiores preocupações dos investidores para 2020, destacam-se os riscos climáticos como grande ameaça ao sucesso estratégico das empresas, riscos estes que atualmente representam fator competitivo, devendo as empresas mapeá-los adequadamente já que os investidores estão atentos a essa questão.

Outra preocupação destacada pelos investidores no estudo da EY diz respeito à falta de padronização no reporte dos riscos ambientais, sociais e de governança (ASG). A covid-19 trouxe diversos debates envolvendo sua relação com aspectos ASG, relacionados à sua própria origem, bem como ao seu combate. É importante destacar que a incorporação de riscos ASG, não é apartada da questão econômica. Diversos estudos já demonstraram relação positiva entre critérios ASG e performance corporativa, o que evidencia que, investir considerando parâmetros de sustentabilidade, é ter retorno financeiro.

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Mas, para além disso, a integração desses critérios é essencial para garantir a resiliência e perpetuidade das empresas, não só pelo nítido aumento do interesse por parte dos investidores com relação à incorporação desses critérios por parte das empresas, como também pelo fato de as novas gerações - que constituem mercado consumidor e cada vez mais ocuparão os lugares de tomadores de decisão - possuírem tendência em se direcionar pelo propósito intrínseco às questões socioambientais.

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A pressão aos limites planetários e formas de endereçá-la já é temática há tempos debatida, mas é preciso repensá-la à luz da reestruturação que a atual crise demandará. Com vistas a evitar outro lapso no sistema financeiro, o desenvolvimento sustentável é imperativo e o fomento à transição para uma economia de baixo de carbono é essencial para garantir a [qualidade de] vida para as futuras gerações.

Ainda é cedo para tecer quaisquer conclusões ou considerações finais a respeito dos efeitos que a crise da covid-19 terá sobre a humanidade, sob aspectos sanitários, econômicos e comportamentais.

A despeito da falta de certeza, fica uma lição: a importância de se atentar aos estudos científicos para a elaboração de políticas públicas, inovações legislativas e até mesmo a tomada de decisões pelo setor privado.

Considerando que os Green Swans têm como característica o alto grau de certeza de materialização no futuro, e que temos sido rotineiramente informados e avisados a respeito dos riscos das mudanças climáticas, questiona-se se o impacto causado por fenômenos delas oriundos serão mesmo "imprevisíveis" e "inesperados", como se alega atualmente a respeito da crise da covid-19.

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*Lina Pimentel, Viviane Otsubo Kwon e Tábata Boccanera Guerra de Oliveira são, respectivamente, sócia e advogadas do escritório Mattos Filho

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