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Covid-19 e os contratos de MA

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Por Luiz Filipe Aranha e Amanda Eulálio
Atualização:
Luiz Filipe Aranha e Amanda Eulálio. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O cenário de insegurança trazido pela pandemia de covid-19 refletiu no âmbito econômico, causando a desaceleração na celebração de novos negócios, bem como a suspensão ou postergação daqueles que estavam em andamento. A incerteza sobre os reflexos a curto, médio e longo prazo das políticas de contenção da disseminação da covid-19, como o isolamento social global, motivou a revisão em massa de acordos em andamento, atingindo os contratos das operações de Fusões e Aquisições ("M&A"), no Brasil e no resto do mundo.

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Diante dessa crise global, as partes nos contratos de M&A estão apurando os efeitos que a pandemia pode causar em sua produção, nas suas atividades e na sua performance financeira. Uma vez constatados esses efeitos na relação contratual, é recomendável avaliar se a execução do contrato não se tornou excessivamente onerosa a uma das partes, com extrema vantagem à outra.

Dois dos fatores dessa avaliação são (i) se a pandemia é suficiente para desencadear a execução das chamadas Cláusulas de Efeito Material Adverso (do inglês material adverse effect - "MAE" ou material adverse change -"MAC"), bem como (ii) se será caracterizada como um evento de força maior, sendo que ambos permitem a desobrigação do cumprimento de parte do acordo e/ou da continuação da transação prevista no contrato.

Usualmente, as Cláusulas MAE/MAC, no contexto dos contratos de M&A, têm como objetivo permitir que a parte compradora possa desistir da transação entre o período de signing e closing (celebração do contrato e fechamento da transação) caso ocorra algum evento que prejudique significativamente os negócios, bem como a performance financeira do target. Em outras palavras, essas cláusulas normalmente são usadas como uma forma de mitigar o risco da parte compradora de ser obrigada a realizar a operação mesmo em condições adversas daquelas em que as partes e o target se encontravam quando da assinatura do contrato.

Contudo, não há uma definição precisa do que seriam os tais efeitos materiais adversos. Geralmente as Cláusulas de MAE/MAC são amplas e evitam detalhar tais situações e, portanto, não preveem epidemias ou pandemias, mas costumam descrever situações que afetam todas as partes do contrato, como por exemplo: (i) mudanças nas condições econômicas ou políticas gerais em qualquer país em que o target opere; (ii) mudanças ou condições que afetam a indústria do target; (iii) alterações no preço de mercado ou no volume negociado dos valores mobiliários do target ou nas classificações de crédito do target; (iv) condições geopolíticas, como atos de guerra, sabotagem, terrorismo ou calamidade; e (v) desastres naturais, como furacão, tornado, inundação ou terremoto. Por isso, determinar se um caso específico se caracteriza como um MAE/MAC depende de interpretação contratual e das particularidades de cada negócio.

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Nesse contexto, a pandemia da covid-19 pode ser considerada como um efeito material adverso, mesmo se não estiver indicada no respectivo contrato? Diante da impossibilidade de oferecer uma previsão frente a fenômenos como os resultantes de uma pandemia, a resposta é igualmente imprecisa. Depende. Isso porque os efeitos materiais adversos devem afetar de forma significativa a atividade, o potencial de produção e de faturamento da parte ou do target, dentro de um período considerável, a ponto de prejudicar seus negócios de forma relevante, seja por um período ou definitivamente.

Exemplo da dificuldade de definir exatamente as situações de efeito material adverso previstas nos contratos de M&A é o fato da crise desencadeada em 2007 - também conhecida como a crise dos subprimes - não ter sido amplamente caracterizada, na maioria das operações que se tem conhecimento, como um MAE. Isso se deu justamente porque é necessário que a parte interessada comprove que o panorama macroeconômico trouxe desafios que afetaram consideravelmente a rentabilidade do target ou a operação pretendida. Evidentemente que os efeitos adversos da pandemia da covid-19 já são reais e graves, apesar de ainda não conseguirmos mensurar a sua extensão e profundidade. Contudo, tal fato não deve ser aplicado de forma indistinta em todos os negócios, devendo a sua análise ocorrer de forma individualizada, sem que isso seja utilizado como subterfúgio ao descumprimento de obrigações contratuais.

Ainda, em linha com o tema acima, mas tecnicamente distinto, é importante destacar a seguinte discussão: Os efeitos desta crise poderão ser enquadrados como evento de força maior (force majeure), permitindo, também, a exclusão de responsabilidade contratual?

Analisando o Título IV do Código Civil, que trata do inadimplemento de obrigações, o termo "casos fortuitos e força maior" aparece no artigo 393 e limita-se a dispor que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Mais adiante, no Título V do Código Civil, que trata dos contratos em geral, o artigo 421-A, II, reforça que a alocação de risco, como por exemplo a força maior, definida pelos contratantes, deve ser respeitada e observada.

Aproximando tal discussão ao M&A, é preciso levar em conta que os contratos firmados neste âmbito são caracterizados por sua bilateralidade e, por isso, não é possível responsabilizar de forma genérica apenas uma das partes. Desse modo, usualmente, são selecionados eventos específicos para a caracterização dos casos fortuitos e força maior e atribui-se a responsabilidade a uma das partes, afetando o preço da transação ou até mesmo o dever de indenizar. Assim, a avaliação do enquadramento da crise e da responsabilização em casos fortuitos, deve ser feita caso a caso, de acordo com cada contrato.

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Tendo em vista os impactos da covid-19 já percebidos, bem como a incerteza das consequências trazidas pelo isolamento social global, as previsões para o reaquecimento tanto das operações de M&A que estavam em andamento e foram surpreendidas pela pandemia, quanto das que estavam em fase de negociação, são inconclusivas, já que as expectativas dos especialistas e players do mercado têm sido alteradas quase que diariamente, acompanhando o comportamento imprevisível da covid-19.

Assim, a caracterização da covid-19 como um MAE/MAC ou como um evento de força maior dependerá dos rumos do mercado e da análise particular de cada contrato de M&A. Portanto, é recomendável cuidado redobrado no que concerne os efeitos materiais adversos, bem como a observância das particularidades de cada caso, com a análise dos respectivos contratos.

*Luiz Filipe Aranha é sócio da área de Direito Societário e M&A do KLA Advogados; Amanda Eulálio é advogada da área de Direito Societário e M&A do KLA Advogados

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