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Covid-19 é doença ocupacional?

Por Nelson Mannrich e Alessandra Boscovic
Atualização:
Nelson Mannrich e Alessandra Barichello Boskovic. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No dia 29 de abril de 2020, o STF julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 6.342, 6.344, 6.346, 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354, que impugnavam dispositivos da Medida Provisória (MP) nº 927/20. Embora pendente de publicação, essa decisão merece análise, pelo ruído que vem causando.

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Por maioria de votos, os ministros suspenderam liminarmente o artigo 29 (segundo o qual os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus não caracterizam, como regra, doenças ocupacionais) e o artigo 31 (que limita a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação).

Pela suspensão do artigo 29, votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux. Para suspender o artigo 31, votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.

Na presente análise, serão examinados os impactos jurídicos da decisão do STF quanto à suspensão do artigo 29 da MP nº 927/20. Com essa decisão, indaga-se: Covid-19 passa a ser automaticamente considerada doença ocupacional?

Para enfrentar esse questionamento, primeiramente é preciso resgatar alguns conceitos estabelecidos na Lei nº 8.213/91. Doença ocupacional é o gênero que engloba duas espécies: doença profissional, ou tecnopatia, e doença do trabalho, ou mesopatia.

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Doenças profissionais são enfermidades que decorrem do exercício peculiar de determinada atividade profissional. Nesses casos, o nexo causal entre o trabalho e a doença é presumido pelo nexo técnico epidemiológico - NTEP (lista C, do anexo II, do Decreto 3.048/99). Isso é feito a partir do cruzamento de dados entre a atividade principal e preponderante da empresa (CNAE - Classificação Nacional de Atividade) e a CID (Classificação internacional de Doenças). Ao menos por enquanto, a covid-19 não foi inserida no NTEP. Não é considerada, nesse contexto, doença profissional.

Doenças do trabalho, por sua vez, são enfermidades adquiridas ou desencadeadas em razão de condições específicas em que o trabalho é realizado. Para se ter reconhecido o nexo causal entre o trabalho e a doença, deve haver prova de exposição do trabalhador a agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional, conforme listas A e B, do anexo II, do Decreto 3.048/99 (nexo técnico profissional ou do trabalho).

Assim, em âmbito previdenciário, o reconhecimento de doença ocupacional pressupõe, como regra, sua previsão no anexo II do Decreto 3.048/99. Entretanto, de maneira excepcional, quando determinada enfermidade não consta da relação de doenças relacionadas ao trabalho, mas mesmo assim resultou de condições especiais em que o trabalho foi executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deveráconsiderá-la doença ocupacional (art. 20, §2º, da Lei 8.213/91).

Portanto, para fins de responsabilidade civil do empregador, o trabalhador acometido de doença ocupacional será indenizado quando comprovado(i) dano, ainda que exclusivamente moral (art. 186, do Código Civil, e art. 223-B, da CLT); (ii) nexo causal entre a doença e o trabalho; e (iii) dolo ou culpa do empregador (art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal) ou exercício de atividade de risco (art. 927, par. único, do Código Civil, e Tese de Repercussão Geral nº 932, do STF).

Via de regra não se consideram como doenças do trabalho as doenças endêmicas (art. 20, §1º, 'd', da Lei 8.213/91). Contudo, para efeito da covid-19, há algumas observações: (i) consideram-se doenças endêmicas aquelas que se manifestam frequentemente em determinadas regiões geográficas, de causas locais, e que não se disseminam por outras localidades; (ii) a pandemia de covid-19 não é, portanto, endemia; e (iii) mesmo as doenças endêmicas podem ser consideradas do trabalho, quando comprovadamente resultarem de exposição ou contato direto, determinado pela natureza do trabalho (art. 20, §1º, 'd', parte final, da Lei 8.213/91).

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Assim, a covid-19 poderá ser reconhecida como doença ocupacional, na modalidade doença do trabalho, apenas quando demonstrado que a contaminação se relaciona diretamente com o trabalho, resultando das condições especiais em que foi prestado.

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Considerando que o art. 29, da MP 927, estabelecia justamente que a covid-19 não seria considerada doença ocupacional, salvo se comprovado nexo de causalidade com o trabalho, a suspensão desse dispositivo pelo STF não produz, ipso facto, consequências concretas.

Em outras palavras, no caso da covid-19, as dificuldades técnicas para sua caracterização ou não como doença ocupacional antecedem a suspensão do art. 29, pelo STF. Da mesma forma, as consequências dessa decisão vão além de análise simplista envolvendo causa-consequência: a suspensão do dispositivo que estabelecia não ser, a covid-19, doença ocupacional, não produz o efeito inverso de declará-la, automaticamente, como tal. De qualquer forma, como alertado acima, é preciso aguardar a publicação do voto do ministro Alexandre de Moraes, para que se possa delimitar exatamente seu alcance.

*Nelson Mannrich é mestre, doutor e livre-docente em Direito, pela USP. Professor titular de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados

*Alessandra Boscovic é mestre e doutora em Direito pela PUC-PR. Sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados

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