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Corrupção passiva x foro privilegiado

O Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento que amplia o tipo penal da corrupção passiva, permitindo que o funcionário público seja punido mesmo que a conduta praticada não guarde relação direta com o exercício de sua função dentro do poder público. O assunto foi discutido no REsp 1.745.410, julgado pela 6.ª Turma.

Por Daniel Gerber e Ana Nepomuceno
Atualização:

Levando em consideração as normas previstas da Constituição Federal de 1988, a expansão desse tipo penal traz, no mínimo, algumas contradições e, consequentemente, uma insegurança jurídica que pode acarretar prejuízos e desequilíbrio para a aplicação das leis.

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É possível alegar, por exemplo, o olímpico desprezo pelo princípio da legalidade em sua consequência denominada taxatividade que, por sua vez, não permite a interpretação extensiva de normas penais in mallam partem. Para fins de tipicidade formal, o novo posicionamento da Sexta Turma acaba por classificar como corrupção "qualquer espécie de ato praticado por qualquer funcionário público em troca de uma contrapartida, desde que tal ato se torne possível por ser, ele, funcionário público".

No entanto, é necessário apontar a insuperável contradição de tal entendimento com a novel posição - e também fruto de um "alargamento interpretativo" que despreza a legalidade constitucional - da Suprema Corte no que toca às regas de prerrogativa de foro.

Isso porque, no julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal 937, o Plenário entendeu por restringir o alcance do foro por prerrogativa de função conferido aos parlamentares de tal forma que somente poderá ser utilizado quando o crime for cometido (a) durante o período de investidura do parlamentar no cargo e, principalmente, (b) quando a conduta estiver estritamente relacionada com a função exercida.

Significa dizer que se o delito cometido pelo parlamentar tiver sido praticado durante sua investidura no cargo mas sem vinculação direta com a função, a prerrogativa de foro não irá prevalecer e o processo será remetido para instância comum.

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Como fazer, agora? Existirão duas distintas espécies de corrupção, uma a ser apreciada pela Suprema Corte e, outra, por juízo de primeira instância, ainda que ambas praticadas pela mesma pessoa, no mesmo período temporal, e à frente da mesma função pública?

Ora, o que se percebe é que quando se trata da aplicação de um instituto que é responsável por estabelecer a competência penal para o julgamento de delitos supostamente praticados por parlamentares, os quais são entes públicos representantes de toda uma população e que precisam de apuração minuciosa e julgamento com alto grau de fundamentação e certeza, se entende que é necessário limitar e restringir. Afinal, o parlamentar não pode ser julgado pela Corte Suprema por qualquer delito que comete.

Em contrapartida, quando o assunto é a prática de crime e a punição do agente, as possibilidades de enquadramento na conduta são facilmente ampliadas para que qualquer ato cometido pelo funcionário público, mesmo que não tenha relação nenhuma com o seu trabalho, seja punido como corrupção passiva. Ou seja, para a garantia de direitos o Estado precisa estabelecer limites ainda que através de inovações interpretativas do texto constitucional. Ao revés, para a punição de seus cidadãos os limites podem ser esquecidos em nome de uma nova moralidade pública.

Não é de hoje que o país alimenta um comportamento moral punitivista. O respeito à lei, considerando a contenção diante de suas garantias e a racionalidade em sua aplicação, não é opção, mas sim dever que se impõe não só ao Poder Judiciário, mas a todas as instituições e funções que interagem estruturando o sistema penal. Todavia, a adesão progressiva ao clamor atual pela nova ética social tem por consequências as mais diretas e devastadoras violações às garantias e as claras configurações de abusos de poder.

Como diria Von Ihering, a luta é pelo Direito. E, como diria LaSalle, o Direito é um mero pedaço de papel.

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*Daniel Gerber é advogado criminalista, professor de Direito Penal e Processual Penal; Ana Nepomuceno é assistente jurídica da Daniel Gerber Advocacia Penal

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