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Corrupção mata! Irresponsabilidade também!

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Por Carlos Fernando dos Santos Lima
Atualização:
Carlos Fernando dos Santos Lima. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

"A natureza nos deu dois ouvidos e apenas uma boca para que ouvíssemos mais e falássemos menos", ensinou sabiamente Zenão de Cítio, filósofo estoico. Entretanto, complementaria também que temos dois ouvidos para que ouçamos todos, mas que temos apenas uma boca porque uma pessoa honesta tem apenas uma única palavra.

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Mas porque falo isso? Lembram da frase tantas vezes dita: "A corrupção mata"? Ela resumia a revolta dos brasileiros com a podridão dos negócios públicos revelada pela operação Lava Jato. Também foi essa mesma frase que deu esperança para mais de dois milhões de brasileiros apresentarem ao Congresso Nacional o projeto de lei popular das "10 Medidas contra a Corrupção", aquele mesmo assassinado por Rodrigo Maia em uma emboscada na madrugada de 29 de novembro de 2016.

Sim. Corrupção mata! Mata realmente no roubo puro e simples dos recursos públicos da saúde e da segurança. Mas mata também quando projetos públicos são escolhidos por proporcionarem circo ao povo e oportunidades maiores de roubar. Basta ver o dinheiro público desviado em estádios de futebol e arenas olímpicas, quando o que os brasileiros realmente precisavam, e agora sentimos isso na pele,eram hospitais e saneamento básico.

Entretanto, não é só corrupção que mata, mas também a irresponsabilidade dos nossos governantes. Infelizmente o combate à corrupção gerou um subproduto tão nefasto quanto a corrupção: o populismo irresponsável daqueles políticos que viram na onda de indignação popular apenas a oportunidade de surfar, com o objetivo de alcançar o poder. Não eram realmente comprometidos com o combate à corrupção, mas apenas oportunistas sem qualquer qualificação. Lobos na pele de cordeiros, políticos na pele de não políticos, enfim, mentirosos.

Nem sequer é verdade que fossem realmente íntegros, pois esquemas de rachadinhas de empregos públicos, mesmo que em gabinetes parlamentares, caracteriza-se também como corrupção. Ninguém que emprega direta ou indiretamente conhecidos milicianos em seu gabinete pode se dizer isento de vinculação, mesmo que apenas moralmente, aos crimes por estes praticados. Temos que lembrar que quando as investigações chegaram aos gabinetes dos filhos do presidente, este apoiou medidas que dificultaram investigações, especialmente em relação à atuação do Coaf e o controle da Polícia Federal, negando a palavra empenhada quando do convite a Sérgio Moro.

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Tudo isso causa revolta àqueles que realmente lutaram contra a corrupção, que lutaram pelo ideal de um país melhor, e não contra especificamente os governos de Lula, Dilma ou Temer. Tudo isso causa repulsa aos brasileiros que foram às ruas em indignação cívica, não para colocar este ou aquele no poder, mas para fazer prevalecer o interesse da população sobre o canhestro jogo que esses políticos estão acostumados. Um jogo que consiste apenas em se criarem inimigos e tomarem decisões cujo principal objetivo é manterem-se no poder.

Agora nesta crise do coronavirus vemos o quanto esse jogo político é irresponsável. Neste momento em que podemos responsabilizar Lula e Dilma por terem preferido estádios a hospitais, ou por terem preferido a manutenção do poder do Partido dos Trabalhadores através de corrupção política, também temos que ser coerentes e cobrar responsabilidade de Bolsonaro. Se há duas opções neste momento de pandemia, a aposta única possível é por salvar vidas. Negar fatos e a ciência, promover tumultos, dar mau exemplo e discursar em eventos contra a democracia brasileira não são compatíveis com os reais objetivos da luta contra a corrupção, da qual a Lava Jato foi um dos representantes.

Basta de corrupção, basta de joguinhos políticos com sua criação artificial de inimigos e falsas polarizações, basta de incompetentes e irresponsáveis. Como chegar a um país melhor quando somos governados por exatamente aqueles que nos três poderes agem dessa forma? A resposta é difícil, mas o primeiro passo neste momento é contrariar Zenão e usar, cada um de nós, a palavra, em claro e bom tom, sem qualquer refreamento de nossa indignação, para que esta chegue ao ouvido de todos e os façam pensar.

*Carlos Fernando dos Santos Lima, advogado, ex-membro da força-tarefa Lava Jato no MPF/PR

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