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Corrupção e República no Brasil: uma agenda necessária

Por Victor Missiato
Atualização:
Victor Missiato. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em 2011, o sociólogo André Botelho e a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz organizaram a obra Agenda Brasileira: temas de uma sociedade em mudança (Companhia das Letras). Segundo os autores, o objetivo da coletânea é claro: "seguir [...] temas da nossa agenda nacional; não tanto as teorias, mas as práticas, assuntos e questões que vêm contribuindo para desenhar projetos de nacionalidade, intencionais ou não" (p. 08). Mostrando-se um trabalho extremamente preocupado com os temas intelectuais, culturais, sociais, econômicos e políticos de longa data, bem como "outros que vêm ganhando atenção apenas mais recentemente", foram convidados mais de quarenta pesquisadores e intelectuais para abordarem e refletirem as mais variadas questões que englobam as identidades e os problemas brasileiros. A afrodescendência brasileira, a arte nacional, cinema, culturas populares, democracia, desenvolvimento, Estado, educação, racismo, saúde pública, futebol, religiões, segurança pública, militarismo, coronelismo, trabalho e violência. Todos esses temas foram analisados nesse importante trabalho.

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Todavia, em nenhum momento houve a preocupação acadêmica em analisar a corrupção no Brasil, um dos temas/problemas de maior relevância para a população brasileira. Em 2011, portanto, antes da Lava Jato, a sociedade brasileira já apontava a violência, pobreza e corrupção como os temas nacionais mais preocupantes. Em pesquisa realizada pela BBC, a corrupção ocupava o segundo lugar nas respostas espontâneas, abrangendo um pouco mais de um quinto dos entrevistados. Em 2021, no auge da pandemia, a corrupção ficou em quarto lugar, mantendo-se presente no rol de preocupações dos brasileiros que, atualmente, encontram-se consternados com a situação econômica (desemprego e inflação) e a saúde pública no país. De acordo com a pesquisa organizada pela Genial/Quaest, 10% da população considera a corrupção o maior problema a ser enfrentado. A questão que coloco aqui é a seguinte: por que um tema tão latente no imaginário nacional não aparece em uma agenda que se propõe pensar uma sociedade em mudança? Diversas podem ser as respostas, mas certamente a questão do republicanismo deve permear tais reflexões.

Certa vez, o historiador Sérgio Buarque de Holanda afirmou que a democracia era um grande mal entendido no Brasil. Após a consolidação democrática, a partir de 1988, diria que a República continua a ser mal compreendida no país. Fruto de um golpe palaciano, que o próprio Sérgio Buarque chamou de Fronda Pretoriana, a República no Brasil muitas vezes foi apropriada a partir de interesses privados, gestando a famosa confusão intencional entre o público e o privado, causa maior dos casos de corrupção no país. Em Mandonismo, coronelismo, clientelismo, República, o historiador José Murilo de Carvalho atenta ao fato de que em repúblicas democráticas estáveis existe uma pronta rejeição da opinião pública e punição da justiça contra práticas que envolvem malversação, desvio ou roubo de recursos públicos. No caso do republicanismo brasileiro, a corrupção ainda não é diretamente ligada à eficácia da política pública, pois patrimonialismo e assistencialismo de caráter consumista coadunam com a visão de um país da meia-entrada, tomando aqui a expressão utilizada pelo economista Marcos Lisboa. Romper com essa amarra não significa abandonar o assistencialismo, tão necessário em um país demasiadamente desigual. O problema está no modo como tais recursos são operacionalizados pela máquina pública e refletidos no debate acadêmico, que costuma olhar a corrupção apenas do outro lado do muro ideológico.

Entre a manutenção de um patrimonialismo excludente e um assistencialismo falsamente encarado como algo paliativo e provisório, encontra-se um corporativismo público que impede qualquer prática efetiva de relação entre produtividade e eficiência. Portanto, entre o mundo acadêmico, o sistema político e o assistencialismo incipiente, encontra-se uma relação promíscua de dependência e corrupção. O custo de desvios ligados a concursos públicos fraudados, falsas licitações e má gestão dos recursos assistencialistas cria um problema de difícil solução, pois nenhum ator político rompe tal sistema. Para que esse estado de leniência possa ser modificado é fundamental incluirmos em nossas agendas o tema do combate à corrupção enquanto política pública, não mais como algo setorizado no Ministério Público ou Polícia Federal. Urge pensar o combate à corrupção nos livros didáticos, nas práticas de compliance no setor público, bem como o cumprimento das penas em decisões de segunda instância.

*Victor Missiato, doutor em História pela Unesp (Franca), professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie/Tamboré e membro do Grupo Intelectuais e Política nas Américas (UNESP/Franca)

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

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