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Coronavírus - implicações penais da fuga de tratamento

Por Thais Pinhata e Maria Luiza Gorga
Atualização:
Thais Pinhata e Maria Luiza Gorga. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro concedeu, na sexta feira, dia 28, ao município de Paraty, o direito de manter em internação hospitalar um casal de franceses que são suspeitos de terem contraído o coronavírus (COVID-19). O poder municipal buscou o judiciário quando o casal insistiu em deixar a unidade de saúde onde estão sendo mantidos em isolamento em conformidade com os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde desde quinta feira, dia 27. Além deste, outros casos de possíveis infectados tentando abandonar o isolamento, e mesmo um caso de fuga na cidade de São Paulo, em paciente cuja doença havia sido confirmada, vêm sendo registrados. Essas fugas, que rapidamente viram motivo de piada na internet, podem ser gravemente penalizadas.

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O Código Penal brasileiro estabelece, no título dos Crimes Contra a Saúde Pública, ao menos dois tipos penais aos quais estariam sujeitos os pacientes infectados que fujam dos hospitais e também àqueles que optem por, apresentando os sintomas, não procurar as entidades de saúde, sendo eles, o crime de Infração de medida sanitária preventiva e o crime de Epidemia, respectivamente. Ademais, podem ser penalizadas condutas como postar e circular informações falsas sobre a doença, desde que estas informações possam levar ao cometimento dos crimes citados.

A Infração de medida sanitária preventiva, prevista no art. 268, do Código Penal, deve ser entendida como a violação de "determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa", se aplica à quebra dos protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, dentre os quais está o isolamento desde a suspeita de infecção. Aqueles que não a respeitem submetem-se à penas de detenção, de um mês a um ano, e multa.

Em casos mais graves, poder-se-ia entender pela persecução penal do crime de Epidemia, previsto no art. 267, que tratando-se de crime hediondo, possui penas muito mais elevadas que o anterior, sujeitando-se aquele que o comete à reclusão, de dez a quinze anos. Aqui, se faz necessário saber-se ou poder saber-se doente. Ainda que o crime preveja modalidade culposa, parece pouco razoável aplicá-lo àquele que não poderia saber ser portador do vírus.

Ambos crimes são considerados de perigo abstrato, ou seja, não há necessidade de contaminação real comprovada, dado que o bem que se visa proteger é incolumidade pública, considerando-se o perigo decorrente da difusão de epidemias ou da propagação de doenças, que põem em risco à saúde de indeterminado número de pessoas.

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As penalizações previstas pelo Código não são despropositadas, visto que a saúde deve ser encarada como uma questão coletiva. É bem verdade que o mundo contemporâneo tem como marca o crescente individualismo, que se caracteriza na saúde como uma demanda pela liberdade de escolha e autonomia na gestão de riscos individualmente. Essa postura, associada a uma diminuição contínua na confiança em instituições públicas de saúde, em menor escala, e em maior escala na ciência médica como um todo, justificada em uma desconfiança com a possível interferência ou manipulação por interesses comerciais, compromete diretamente a possibilidade de desenvolver políticas públicas sólidas e abraçadas pela população coletivamente.

De toda forma a lição que fica é: vale respeitar não apenas a legislação, mas sobretudo os conselhos médicos, cuidando-se para não apenas evitar uma punição desnecessária, como principalmente proteger-se e proteger aos demais.

*Thais Pinhata, advogada da área criminal do Franco Advogados, Mestre e Doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo; Maria Luiza Gorga, Doutora em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP e autora do livro Direito Médico Preventivo - Compliance Penal na Área da Saúde

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